a morte e o oceano

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O paranormal não vem fácil para a realidade. É preciso sacrifícios para enfraquecer a membrana. E sacrifícios demandam sangue. E o quarto dos donos da velha casa estava banhado nele. Era possível perceber uma fina névoa pelo local, você andava pelos corredores da casa e uma sensação esmagadora de que alguma coisa estava absolutamente errada te atingia.

Afinal, para trazer o Outro Lado, ela só precisava daquele grande sacrifício. É apenas um preço alto a se pagar, ela pensou enquanto vomitava as próprias tripas, não conseguindo suportar o que acabara de fazer com aquelas pessoas. Uma hora tudo vai acabar.

[...]

O orfanato Santa Menefreda era um lugar desprezível, ela nunca achou que teria de voltar ali depois de quase... Quase o quê? Doze anos? Estreitou os olhos de duas cores quando percebeu a presença de Henri. Ela também achou que não teria que voltar a vê-lo. Eles nunca se deram bem na infância e a moça suspeitava que continuariam assim. Nunca conseguiria achar a palavra certa para descrever o quão desprezível Henri era.

"Olha só! A boa filha à casa torna!" Ele deu uma risadinha. "E eu achando que você estava metida com aqueles agentes de merda."

Não mordeu a isca de Henri. Ela apertou a alça da bolsa preta que carregava, os machucados em seus dedos escuros e tatuados eram perceptíveis, já que havia perdido as suas luvas por causa de uma criatura. Henri teve um pouco de bom senso em não apontar.

"Eu preciso falar com o Gal", ela disse. "Ele falou para eu vir aqui, mas parece que..." Uma torção de nariz, do jeito que ela aprendera na infância quando chegou no orfanato, logo após a morte de seus pais. "Só estou encontrando ratazanas. Da pior espécie."

Henri apenas sorriu e se virou, em uma clara indicação para que fosse seguido. Haviam pelo menos dez pessoas no orfanato, metade eram rostos novos que ela nunca tinha visto antes. Bem que sabia que Gal estava recrutando cada vez mais pessoas para se juntar ao "culto". E parece que elas aceitavam bem. Os Escriptas não tinham uma base fixa, eles estavam sempre mudando de um local para o outro — apenas para o caso da Ordem encontrá-los. Os dois passaram por alguns Existidos, eles ignoraram Henri completamente, mas quando a viram as criaturas tentaram agarrar o seu rosto. A única coisa que ela conseguia entender, de todas as coisas inaudíveis que saiam daquelas gargantas torturadas, era um nome. Kian. Tentando esconder o desconforto que sentia, ela se desviou. Aquilo era mais que podia aguentar.

"Está com problemas, Miriam?" Henri riu, mas não parou de andar.

Ele estava guiando a moça para a Sala da Desconjuração. Não havia ninguém ali por perto, durante o caminho ela percebeu que Leonardo não estava em nenhum canto do orfanato, o que era estranho. Gal e Leo eram como uma força que não podia ser separada, ao menos era essa a impressão que Miriam tinha. Henri mandou Miriam esperar do lado de fora, entrou, ficou alguns minutos lá dentro — ela não ouviu muito além de vozes baixas — e então voltou.

"Vai lá. Aparentemente ele quer falar com você."

Ela abriu um sorriso com dentes brancos e levemente pontiagudos, visceral. Quase uma cópia do sorriso de Henri.

"Obrigada, Henri. Você não é uma ratazana tão inútil no final das contas."

Não esperou a resposta dele para entrar na sala.

"Nunca gostei daquele merda", Miriam disse, jogando a bolsa preta que levou consigo para o orfanato aos pés de Gal. Uma garota semi-desmaiada estava sentada na cadeira. Miriam se esforçou para ignorá-la, mesmo com a impressão de que a conhecia de algum lugar. "O que você pediu está aí e eu—"

𝐅𝐀𝐓𝐓𝐀𝐋, galOnde histórias criam vida. Descubra agora