Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.
Machado de Assis***
Eu tinha 7 anos quando a conheci em um acampamento de férias. Desde então, minha vida nunca mais foi a mesma.
Não lembro de ter muitos amigos. Hoje, vendo a minha infância sob outra ótica, penso que meu jeito exagerado e minha sinceridade quase que automática afastava as crianças. Mas não afastou ela.
Todo ano, antes e durante o período de páscoa, eu passava exatos 15 dias imersa em uma cabana no meio do nada, acompanhada de um grupo de crianças que como eu, detestavam estar ali. Era unânime. Até o dia em que a garotinha do vestido laranja chegou.
Me lembro como se fosse hoje: Era 9h30 da manhã e eu havia terminado de fazer minha primeira refeição. Tínhamos uma rotina diária: Terminado o café, as crianças se dirigiam uma a uma até a sala de jogos, até estarmos todos reunidos. Todo ano era exatamente assim. Nada mudava.
Quando fiz menção de levar a minha xícara ao balcão para retornar à sala, ela se sentou ao meu lado.
- Ei! Podia pelo menos pedir para se sentar aqui. - Falei, sem ao menos tentar disfarçar a minha expressão descontente.
- Desculpa. - Disse, abaixando a cabeça. - Mamãe que mandou. Olha ela lá! Ela disse: "Socialize, Aninha, faça amizades." - Apontou para o vidro, onde uma mulher elegante acenava, sorrindo.
Acenei de volta e devolvi o sorriso recebido.
Em seguida, a menina se levantou e, correndo até a mãe, se despediu dela com um longo abraço.
- Você vai ficar tranquila aí, meu amor? Não esqueça que você pode me ligar a qualquer momento, eu venho te buscar imediatamente. - A mulher falou, preocupada, enquanto abraçava e beijava a menina em seu colo.
- Fica tranquila, mamãe. Eu sei me virar sozinha.
- 15 dias passam rápido, não é? - A mulher gesticulava como se tentasse convencer a si mesma. - Céus, eu nunca passei tanto tempo longe de você. Não sei se vou sobreviver sem a minha garotinha.
- Você vai sobreviver sim, mamãe. Não esqueça que eu te amo infinito.
Quando a menina do vestido laranja voltou, tratei de avisá-la sobre a monotonia do lugar. Era nítido que se ela quisesse voltar para a casa, sua mãe a levaria de volta sem pestanejar.
- Se eu fosse você, faria um escândalo até sua mãe mudar de ideia e te levar para casa. Esse lugar é péssimo. Tem mato para todo lado e os mosquitos atacam à noite.
A menina deu de ombros, movimentando negativamente a cabeça.
- Você já ouviu falar em repelente? - Perguntou em tom de ironia.
- Engraçadinha.
- Qual é o seu nome?
- Meu nome é Chiara. E o seu, é só Ana?
- Nome diferente... - Comentou, arqueando as sobrancelhas. Não sei explicar o motivo, mas, embora tenha achado engraçado, gostei daquela expressão.
- Eu não sou daqui. - Expliquei. - Vim da Itália.
- Onde fica isso? Desculpa, geralmente eu durmo nas aulas de geografia.
- Fica na Europa, boba. Isso aqui é um interrogatório? Geralmente quem é Ana tem mais um nome. Qual é o seu nome completo?
- Meu nome é Ana Carolina. Todos me chamam de Aninha.
- Eu vou te chamar de Carol. Sou do contra. - Sorri.