Burn

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Fazia mais de vinte minutos que Ugetsu se encontrava naquela sala de espera. Para evitar pensar no tempo que se esvaía, ele começou a puxar impacientemente os pequenos pedaços soltos de cutícula ao redor de suas unhas e, ignorando a dorzinha irritante do seu polegar, passou para o indicador, murmurando alguns xingamentos. Não para alguém em particular, provavelmente para si mesmo.

Cada fibra do seu corpo parecia gritar para que levantasse daquela cadeira desconfortável e desse meia volta, se conformando com a mera tentativa. Já era irritante estar fora do horário, mas tudo naquele lugar parecia ter sido agregado especificamente para lhe dar nos nervos.

Havia uma televisão de tela plana enorme transmitindo um programa de variedades com pessoas extremamente barulhentas e esdrúxulas cujas vozes faziam seus tímpanos reclamarem. O lugar era estreito e estéril, tinha paredes brancas como um corredor de hospital. De um lado havia cadeiras e do outro, uma porta. Ele odiava lugares assim, pareciam sufocá-lo.

Ugetsu apertou os olhos, tentando ignorar tudo à sua volta enquanto travava uma luta contra sua própria mente, se convencendo de que estar ali era a escolha certa.

É muito caro. Dinheiro não é problema.

Você vai confiar mesmo em uma total estranha? Não seria a primeira vez.

Ela é uma estrangeira, não vai entender as nuances do que você contar. Qualquer coisa, eu falo em inglês.

Era um esforço quase homérico, tendo em vista que nunca fora o melhor guardião de si mesmo. Talvez, a consciência desse fato fosse o que lhe mantivesse esperando com os pés fincados no chão.

A verdade é que ele não aguentava mais.

O som da porta à sua frente finalmente se abrindo acabou o sobressaltando. Dela saíram duas mulheres, uma usava jaleco branco e óculos, e a outra cobria o rosto com a ajuda de uma máscara e uma cortina de cabelos negros – ela estreitou os ombros e caminhou para longe de cabeça baixa, seus olhos estavam ligeiramente inchados.

"Murata-san?" — chamou a voz, muito mais grave do que ele esperava, enquanto gesticulava em direção a sala. — "Vamos começar?"

Ugetsu levantou um pouco rápido demais. Era ridículo admitir, mas suas pernas estavam bambas o caminho todo até o divã. Ele debateu em silêncio se deveria deitar dramaticamente como nos filmes, mas se resguardou a sentar exatamente no meio do acolchoado, cruzando as pernas enquanto esperava a mulher fazer o mesmo na poltrona à sua frente. Ela clicou a caneta duas vezes, levou a ponta até o papel preso em sua prancheta e o som dos riscos pareceram ensurdecedores no silêncio desconfortável entre eles.

Ela já estava fazendo anotações sobre ele? Ugetsu engoliu a seco. Será que seu martírio era tão óbvio a ponto de estar estampado na cara dele? Ele sentiu uma pontada de dor quando apertou suas mãos uma contra a outra. Seu polegar estava sangrando.

"Acho que, como nós começamos um pouco tarde por minha causa, podemos pular as apresentações e já ir direto ao ponto" — comentou ela, com um sorriso constrangido — "O que você acha?"

Ugetsu suspirou cansado.

"Por onde se começa? Eu tenho que fazer um resumo da minha vida até aqui?"

Deus, sua cabeça doía só de pensar em ter que refletir cada coisa desde a sua infância.

"Você começa por onde achar melhor. Nós vamos encontrando o contexto aos poucos."

O rapaz passou longos minutos ponderando suas palavras e ela pareceu esperar pacientemente até que resolvesse falar.

"No colégio, você escolheu humanas ou exatas?" — decidiu começar por uma pergunta.

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⏰ Última atualização: Jun 11, 2021 ⏰

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