Prólogo - Antes de eu morrer

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— Minha vida nunca foi perfeita. Consequentemente, sempre acreditei que a vida era apenas um momento insignificante de nossas existências. Nascemos com uma certeza, não importa o que você é, ou que você faz, todos compartilhamos um único destino: a morte. Sendo assim, não há necessidade de sonhos ou conquistas, certo? Eu estava preso numa bolha chamada conforto, da qual eu não me importava em sair. Então tudo mudou, de uma maneira que eu nunca imaginaria.

Era uma bela manhã, quando acordei assustado. Não ouvi o alarme tocar, olhei rapidamente para meu celular. Era sábado, não havia aula hoje, fiquei aliviado. Permaneci deitado por mais uns minutos quando um delicioso aroma de café da manhã invadiu o meu quarto.

Caminhei até a cozinha e vi que meu pai havia feito um bolo de cenoura. Meu pai é um confeiteiro bastante popular na nossa região, os seus bolos eram simplesmente deliciosos. Apesar de ser filho do confeiteiro, eu não acordava todas as manhãs com uma sobremesa.

— Hoje é alguma ocasião especial? — questionei.

— Não, não. Apenas acordei inspirado. — respondeu meu pai.

— Será que esse bolo feito de inspiração está realmente bom? — brinquei.

— Pode confiar!

— Ok, vamos ver! — me servi um pedaço do bolo.

O gosto era realmente fantástico.

— Quero outro pedaço!

— Não! — impediu meu pai.

— Por que não?

— Quero ver como estão suas notas, seu período de prova terminou?

— Ah! Pai, qual é? Hoje é sábado, não vamos falar de provas, por favor.

— Você tirou notas baixas de novo?

— Claro que não, eu estudei bastante para essas provas.

— Então me mostre suas notas!

— Tudo bem, depois eu mostro.

— Frank... você sabe que o sonho da sua mãe era que você se tornasse médico.

— Sim, eu sei...

— Você não está estudando medicina, está cursando enfermagem, mas não era isso que sua mãe queria. Você não está nem se esforçando — enquanto meu pai falava, eu o ouvia calado — o que raios você quer fazer da vida? Você já tem 19 anos. Está na hora de você se tornar um homem do qual sua mãe se orgulharia...

— E eu vou, peço que confie em mim e espere mais um pouco, pai.

— Veja seu amigo, Timothy. Ele faz medicina e já está no terceiro período. Será que você não pode ser um pouco mais como ele?

Ouvir tudo aquilo me magoava, apesar de já ter ouvido isso muitas vezes, eu não podia evitar me sentir assim. Eu não sabia o que queria ser, por isso aceitava tudo que ele falava usando a desculpa de que era o que minha mãe queria para mim.

Minha mãe se chamava Vivian Morton e morreu em um acidente no gelo um mês após nos mudarmos para San Diego. O gelo partiu enquanto caminhávamos em um lago congelado. Ela acabou se afogando, e quando conseguiram a resgatar, ela já estava morta. Eu tinha três anos na época, não tenho memória nenhuma dela. Meu pai, Robin Morton, a conheceu no Canadá, e lá eles se casaram. Ele dizia que ela era muito sorridente e tinha lindos olhos castanhos, iguais aos meus.

Não sou bonito nem popular, também sou péssimo em esportes. Ao contrário do meu melhor amigo, Timothy Perez. Ele é um ano mais velho que eu, tem olhos castanhos e um cabelo incrivelmente cacheado, o qual ele deixa crescer até os ombros; sua pele negra, sua estatura alta e seu dom no basquete, me fazem acreditar que Deus tem seus favoritos e eu com certeza não sou um deles.

Ainda na manhã do sábado, Timothy veio à minha casa. Ele me convidou para jogar, passamos a manhã jogando. Apesar de todos os meus defeitos, eu era ótimo com jogos mobile. Quando a hora do almoço se aproximou, meu pai o convidou para almoçar.

— Sinta-se à vontade Timmy.

Timmy? Quanta intimidade, não consegui esconder minha cara incrédula. Como meu pai poderia ser assim, ele trocaria de filho na primeira oportunidade.

— Obrigado Sr. Morton.

— Pode servir-se, você deve estar com fome. Como está a faculdade?

— Meu período de provas chegou ao fim, foi bastante cansativo, mas estou bem.

— Imagino que sim, medicina não é para todos, por favor ajude meu filho quando ele começar a cursar medicina ano que vem.

— Sim, com certeza! — afirmou me encarando com desdém. Me senti desconfortável, então comecei a comer.

À tarde, depois do almoço, resolvemos assistir a uns filmes. A namorada do Timothy, também minha vizinha, apareceu para assistir conosco. Seu nome é Rachel, ela possui longos cabelos pretos e olhos escuros iguais à noite; tem 20 anos e estuda publicidade.

Eu nunca falei para ninguém, mas eu gostava da Rachel. Foi um sentimento unilateral, eu não tinha coragem para confessar, ela sempre me tratou como um irmãozinho, e eu pensava que o Timothy sabia dos meus sentimentos já que somos amigos desde meus onze anos. Mas eu estava errado, ele não percebeu, eles começaram a namorar no começo do ano passado.

Passamos a tarde toda assistindo, já eram quase 20h quando o último filme acabou. Timothy e Rachel foram para suas devidas casas e eu fui tomar um banho, estava me sentindo muito cansado. Segurar vela é mais cansativo do que aparenta ser.

Deitei em minha cama ainda cedo, acabei adormecendo sem nem perceber. De repente, comecei a ficar sem ar e senti uma mão em meu pescoço, abri os olhos, estava muito escuro, eu não conseguia ver nada. Me esforcei para tirar a mão envolvida em meu pescoço e me levantar, mas eu não tinha forças o suficiente. Comecei a entrar em desespero e a me debater com todas minhas forças, acabei derrubando o abajur do lado da minha cama fazendo um barulho que estrondou no silêncio.

— Frank! — era a voz do meu pai. — Está tudo bem? — Tentei gritar, mas não consegui. Pensei que tudo isso era um sonho, daqueles bem realistas, mas descobri que não era quando comecei a perder a consciência.

— Hunrum! — respondeu uma voz que eu não reconheci.

— Vá dormir! — resmungou meu pai.

Fui perdendo minhas forças, estava sentindo meu corpo ceder até que não aguentei mais e apaguei.

E é isso, é tudo que eu me lembro. Depois disso, minha vida mudou completamente.

Depois que EU morriOnde histórias criam vida. Descubra agora