Capítulo 1

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LINA


Lina abriu a porta da cabana, o lugar parecia uma cápsula do tempo e a dificuldade de abrir as janelas, atestou que realmente há muito tempo ninguém havia estado ali. Por sorte ela tinha chegado ainda durante o dia, estava cansada depois de ter andado floresta adentro naquela trilha arrastando a sua mala. A antiga estrada que dava acesso havia sido tomada pelo mato e não havia como chegar ali de carro. Ir a pé valeu a pena, no caminho ela sentiu os cheiros da floresta: lavanda, verbena, malva, tronco molhado... Lina gostava de perceber cheiros desde criança. Podia fechar os olhos e lembrar do cheiro da mãe, do pai, da avó e do avô.

O cheiro da primeira escola, do escritório, do café forte da padaria da esquina. Cheiros que ela gostava de lembrar.

Enquanto caminhava, o vento trazia ao seu nariz vez ou outra o cheiro de hortelã. Devia haver hortelãs plantadas ali perto ou poderia apenas ser saudade. Ela olhou em volta, aquela floresta seria o seu quintal, seu jardim... todo aquele verde também pertencia boa parte a Cabana que ela havia adquirido.

Seus amigos tinham avisado que talvez não fosse uma ideia tão boa comprar aquela cabana, principalmente sem antes visitar o local, mas o que ela tinha a perder? Ela precisava de um lugar assim, um lugar onde podia descansar e pensar na vida sem ser tragada por todo a loucura da cidade e principalmente pela loucura na qual sua vida havia se transformado. Ela tinha o dinheiro de anos de trabalho insano, ela tinha como se sustentar por algum tempo, mas além de tudo isso ela tinha a necessidade de se afastar e se reerguer.

Ela havia lutado e perdido, precisava de um refúgio até decidir voltar ou se realmente precisava voltar. O lugar não estava imaculadamente limpo, mas também não havia sujeira espalhada; havia apenas uma fina camada de pó nos móveis e após descobrir onde estava o material de limpeza, ela começou a limpar tudo. A Cabana não era enorme, então não seria tanto trabalho e de fato duas horas depois tudo estava limpo.

Assim como a agente da imobiliária havia garantido, os pratos, panelas e talheres estavam meticulosamente embalados e salvos da poeira. Lina percebeu que o colchão era novo, assim como as roupas de cama guardadas dentro da cômoda. Realmente eles haviam cumprido suas exigências básicas. Lina pegou o travesseiro que estava no guarda-roupa e se acomodou naquele quarto que tinha acabado de limpar. A cama era enorme, alta e extremamente confortável.

Só então ela percebeu a pequena e charmosa mesa de cabeceira ali do lado e institivamente puxou uma das gavetas para ver o que havia ali. A gaveta estava vazia, mas ao puxá-la Lina percebeu que algo caiu por trás da mesinha. Ela estava cansada e pensou que no outro dia olharia o que havia caído, mas a curiosidade foi maior. Ela afastou a mesinha com dificuldade, percebendo que aquele lindo móvel era feito de madeira maciça e encontrou uma grande embalagem dos Correios que parecia bem velha. Não era uma dessas simples caixas usadas atualmente pelos Correios, parecia dessas usadas antigamente para encomendas maiores. O que será que havia ali dentro? A vontade de ter acesso ao conteúdo foi automática.

Lina parou e pensou se não estava sendo invasiva... talvez fosse melhor entrar em contato com a imobiliária e perguntar se coisas pessoais dos antigos donos haviam sido deixadas ali por engano. Ela balançou a caixa

e percebeu que dentro dela havia algo. A caixa não estava lacrada e Lina pensou que talvez não tivesse problema algum dar uma olhada. Sendo algo de valor ou não, ela comunicaria a imobiliária no dia seguinte... provavelmente os descendentes dos antigos donos teriam interesse.

Então Lina abriu cuidadosamente a caixa e o que ela encontrou ali dentro a surpreendeu. Era uma outra caixa também antiga, mas além de antiga ela tinha todos os indícios de que havia sido muito usada, manuseada, por muitos e muitos anos. Não era uma caixa comum dessas que se encontram por aí em brechós ou antiquários. A caixa tinha riscos de canetas, de lápis, desenhos de criança interrompido no xadrez do papel que a recobria. Lina sabia que vivendo naquela região da Escócia encontraria muita coisa em xadrez, mas ela não esperava que logo ali no meio da sua cabana pudesse encontrar algo tão bonito.

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