3. Vidente

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 Mamãe pegou a estrada depois do almoço e foi ai que papai aproveitou para nos escravizar com os trabalhos duro da fazenda, agora eu entendo como ele conseguiu aqueles músculos todos, ele me fez limpar o celeiro e cuidar do cavalo, enquanto Lena ficou encarregada de tirar leite da vaca e pegar os ovos no galinheiro. Por sorte ele continuou cortando lenha.
 - Quando que eu vou para o Acampamento mesmo? - perguntou Lena já cansada.
 Eu havia esquecido que daqui a dois dias Lena iria para o Acampamento e provavelmente eu ficaria com seus serviços também. E os nossos dias foram assim, de longos e cansativos dias de trabalho pesado, e eu achando que papai estava com saudades da gente. Já era difícil pra mim pegar no sono, tinha que ter ainda aquele galo idiota que me faz acordar cedo. No quarto dia fomos vender tudo que produzimos e coletamos na cidade, leite, queijo, ovos.
 Lena e eu ficamos próximo a caminhonete velha, enquanto papai vendia seus produtos nos mercados, procurei pelas lojas alguma coisa que me interessasse, parando por uma eu parecia vender coisas místicas.
 - Quem venderia esses tipos de coisas em uma cidade como essa? - perguntei a ninguém em especial.
 - Eu vou se você for -disse Lena, interessada.
 Ela era curiosa assim como eu, só que não conseguia ir além de sua curiosidade muitas vezes com medo de se arriscar. Diferente de mim, minha curiosidade sempre fala mais alto. Entrei com ela na loja, quando abri a porta um pequeno sino em cima de nós anunciou a nossa chegada. A nossa direita havia um balcão comprido, atrás do dono estava uma estante cheia de frascos de diferentes tipos de tamanho com diferentes cores. A loja não era muito grande, talvez seja por estar cheia, havia três estantes com livros e a decoração chegava sim dar um pouco de medo. O lugar também cheirava a incenso.
 - Em que posso ajudar? - perguntou o dono de maneira neutra, mas olhando para nós em alerta como se a qualquer momento fossemos assaltar a sua loja.
 - Estamos apenas olhando enquanto esperamos o nosso pai - disse e fui até as estantes com os livros, os títulos eram bem curiosos. Senti Lena estremecer ao meu lado, um pouco acanhada com o lugar - O senhor não deve vender muito nessa cidade, as pessoas aqui parecem ser bem religiosa - dizia isso pela enorme igreja católica que tinha bem no centro.
 - Eu já fui convidado a sair umas duas vezes, mas eles tem medo de mais de mim para me expulsarem - disse ele.
 - Imagino o porquê - sussurrou Lena ao meu lado, se encolhendo toda.
 Eu estava do outro lado da estante quando ouvi a porta abrindo por causa do sininho, meio escondida vi quem era a pessoa. Um garoto vestido com casaco preto e de touca cinza, porque nessa cidade faz frio, principalmente na fazenda. Lugar legal para passar as férias, eu sei. Não consegui ver direito seu rosto, apenas um parte de seu cabelo escuro com um tom meio azulado que quase não dava pra perceber muito. Ele falava com o dono da loja, eu não estava bisbilhotando, mas sua conversa pareceu interessante quando o homem atrás do balcão mencionou o nome do meu pai. O que ele iria querer com ele?
 Meu celular tocou me denunciando, senti o olhar do garoto sobre mim percebendo minha presença agora. Peguei o celular, era o numero do meu pai, atendi.
 - Alô, pai.
 - Alexia, onde vocês estão?
 - Em uma loja, mas já estamos indo pra caminhonete - disse puxando Lena para longe da loja, eu tive que passar por ele, senti uma falta de ar que não entendi o motivo. Um assopro passou por meu pescoço descoberto por estar de cabelo preso.
 Uma sensação estranha me fez sentir um arrepio de leve, o que será eu foi aquilo? Encontramos papai perto da caminhonete.
 - Vamos? - perguntou sem perceber meu estado. Nervosa, aflita por dentro, não acredito que tinha achado aquele garoto interessante. Não, ele não vazia meu tipo. De maneira nenhuma ele chamou minha atenção.

 Papai estava fazendo o almoço quando cheguei na cozinha, seu famoso e talvez a única coisa que ele soubesse fazer, macarrão com queijo. Sentei próximo a bancada vendo o que ele fazia, Lena estava tentando falar com suas amigas lá fora, procurando um bom sinal nesse lugar.
 - Por que comprou uma fazenda? - perguntei quebrando o silencio.
 - Precisava de um lugar calmo e que eu pudesse me distrair facilmente depois que sua mãe pediu um tempo.
 - Mas vocês vão voltar, não vão? O que você vai fazer com esse lugar?
 - Não sei - suspirou. Perguntava-me para qual das duas perguntas referia-se a sua resposta, espero que para a segunda - Vou ver se vende ou vocês podem vim pra cá.
 - Ah, não. Esse lugar pode ser até bonzinho para passear as férias, mas sem duvida não para morar. Pelo menos não quando você tem quinze ou dezessete anos.
 - Entendo. Acho que também não gostaria se tivesse na sua idade, lugares isolados são mais para pessoas que precisam da solidão.
 Por um momento eu me imaginei naquele lugar sozinha, adulta, cuidando dos animais e da fazenda. Seria melhor do que ter que cuidar de cinco ou mais gatinhos e sendo uma velha chata. Eu já me vi assim muitas vezes, solitária. Sentindo que estar faltando alguma coisa, como uma peça de um quebra-cabeça.
 - Alexia - disse papai chamando minha atenção -, você ainda ver o seu irmão? - perguntou cauteloso.
 - Não, eu só o vi naquele dia mesmo.
 Passei a mão no colar que Michel havia comprado em meu aniversario de catorze anos, era uma borboleta grande e de bronze. Eu havia amado deste o primeiro momento que a vi e só tornou mais especial depois de sua morte.
 - E você tem visto outras pessoas?
 - Não, eu acho. Não tem como saber o que você ver e os outros não - por isso eu prefiro ficar longe de pessoas que eu não conheço, quis dizer. Mas minha voz parou quando lembrei do garoto da loja, e se ele fosse um fantasma? Não, o dono da loja também o viu e até Lena. Mas e se ele fosse? - O que eu sou? O que nós somos de verdade? Mamãe não me respondeu quando eu perguntei e quis esse tempo todo fingir que nada daquilo foi real.
 - O que temos é um tom, você recebeu de mim assim como eu recebi de meu pai e ele do dele. Eu sabia que o seu irmão ou você iria acabar ganhando, é como se tivesse em nossa genética - explicava - Podemos ver e falar com pessoas que não consegue passar por outro lado, podemos ver o segundo plano e temos o dever de guia-las.
 - Isso não é... - qual a palavra mesmo?
 - Não, não é nada disso. O termo usado é médium ou vidente, é como um poder daqueles de super heróis.
 - Então eles existem? - perguntei com um pouquinho de esperança, vi que as historias do Capitão América são mesmo reais.
 - Não, mas criaturas sobrenaturais sim, por isso podemos ver os fantasmas. Os Videntes tem a missão de ajudar qualquer Criatura deste sendo Lobisomens, Vampiro entre outros.
 - Quer dizer que existem Vampiros? Como das historias?
 - Não como das historias, mas que existem, existem.
 Lena apareceu na cozinha reclamando da falta de sinal e que não via a hora de ir para o acampamento entre outras coisas, papai fez um sinal pondo o dedo encostando no lábio pedindo segredo, ele não queria que Lena ficasse sabendo disso. Bem, nem eu acho que seria bom ficar sabendo dessas coisas. Se eles realmente existem como é que eu posso ficar calma sabendo que posso a qualquer momento esbarrar com um deles por ai? Agora eu tenho muito mais do que fantasmas para me preocupar.

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