Fecho a porta do carro, segurando a última caixa que sobrou. Subo as escadas, com inúmeros pensamentos me inundando a cada degrau. "Como será daqui pra frente? Como vou sobreviver longe dos meus pais? Eu sou adulta o suficiente?".
Abro a porta do apartamento 302. A sala está suja e bagunçada, repleta de pó e caixas espalhadas pelo chão. Há apenas um sofá, uma TV e uma prateleira de livros. Com o pouco dinheiro que eu tinha guardado, não poderia me dar o luxo de ter mais do que isso.
Pego meu celular e leio as várias mensagens que estou a horas sem responder. Minha mãe me ligou sete vezes. Ligo de volta.
- Onde você estava? Você me deixou desesperada! Quase chamei a polícia! O que aconteceu? - o pouco de saudade que eu estava sentindo sumiu na hora. Ainda bem que me mudei.
- Mãe, você não precisa me ligar a cada segundo. Eu estou bem. Eu posso me virar sozinha. - tento equilibrar o celular no meu ombro enquanto tiro as coisas de dentro das caixas.
- Seu irmão está o dia inteiro na cama, sem comer nada. Ah, querida. Volte. Pra que largar uma vida confortável com uma família que te ama? A vida lá fora é horrível. Você é tão nova!
Não era por eles. Eu amo eles. Principalmente meu irmão. Eu apenas queria meu próprio espaço.
Enquanto conversávamos, pensei na minha conta bancária quase vazia. Havia dinheiro para umas duas semanas no máximo. Eu precisava arranjar um emprego logo. Meu último ano da faculdade ainda será pago pelos meus pais, mas eles se negaram a contribuir com a minha saída de casa.
Cada segundo que se passava me causava mais ansiedade. Camuflei minha inquieteza arrumando cada centímetro do meu apartamento. Ouvir minha mãe no meu ouvido tentando me convencer a voltar não estava me ajudando, então desliguei assim que tive uma oportunidade.
Mas e se ela estivesse certa? Deitada na cama, suada, descabelada e com uma blusa velha de ano novo estampada "feliz 2014", pego meu celular e meus fones e coloco minha banda preferida no máximo. Fecho os olhos e relembro dos meus últimos momentos antes de partir.Abro os olhos devagar, confusa. A música alta nos meus ouvidos abafa o som de fora. Tem uma garota em pé na minha frente, segurando um bolo e discutindo com um cara alto. "Eu estou sonhando?". Demoro um pouco pra racionalizar aquilo. Em poucos segundos, minha consciência retorna.
Tiro meus fones e levando em um pulo.
- Quem são vocês? - pergunto em um grito, contornando a cama e me afastando o máximo possível.
- Meu Deus, me desculpe! - Ela diz com as mãos quase levantadas tentando se aproximar enquanto eu me afasto. - Não, por favor, não fica com medo, a gente é do bem!
- Como você quer que ela não tenha medo? A gente literalmente invadiu o apartamento dela! - ele era loiro, alto e usava roupas incoerentes com o ano em que vivemos. Parecia um mocinho de romance do século XIX.
- Era só pra deixar o bolinho e ir embora, mas como sempre você tem que estragar tudo, não é?! - ela tinha cabelos longos, também loiros, e ondulados. Eram claramente irmãos.
- Eu não fiz por querer! Moça, pelo amor de deus, eu te pago um buda novo, me perdoa! - ele se dirige a mim, e então eu noto que nos pés dele está jogado no chão o meu pequeno buda de uma loja de 1,99 que eu comprei pra trazer sorte nas mudanças. Claramente não trouxe.
- Quem são vocês? Saiam do meu quarto! Aliás, saiam do meu apartamento! - torço para eles serem bobinhos do jeito que parecem ser. Não é muito seguro expulsar estranhos do seu apartamento dessa forma, principalmente neste bairro em que o aluguel custa três vezes menos do que a média.
- Nós estamos indo, me desculpe. - a menina diz se retirando do meu quarto, puxando o irmão pelo braço e largando o bolo cor de rosa escrito "bem vinda". Minha consciência pesa ao pensar que eles podiam ser simpáticos, mas esse é o truque que os assassinos mais usam.
Quando vejo novamente o buda despedaçado no chão, penso que podiam claramente estar tentando me assaltar.
Quando eles saem, vou para sala e tranco a porta. Insatisfeita, tranco as janelas de todos os cômodos também. Sento no sofá por alguns segundos. Se eu continuar descuidada desse jeito, terei poucas horas de vida. Levanto e vou para o banho, esperando me acalmar um pouco.Deitada no sofá, com os cabelos molhados, ouço minha barriga roncar de fome. Não tenho coragem de pedir comida, afinal aqueles estranhos podem estar me esperando com uma faça atrás da porta. Não tenho nada de interessante pra comer em casa além de bolachas e algumas frutas. O bolo rosa que estava na estante do meu quarto eu joguei fora. Jamais me arriscaria dar uma mordida naquilo. Prefiro morrer de fome do que envenenada.
Não parecia ser uma boa ideia continuar aqui. Tive um dia péssimo, tenho pouco dinheiro e não tenho a capacidade de trancar uma simples porta.
Ouço duas vozes abafadas por trás da porta, no corredor do prédio. Reconheço-as. Permaneço deitada no sofá, encolhida, torcendo para que não batam na porta.
- Tem certeza que é uma boa ideia? - a voz da menina, em um tom muito baixo, parecia aflita.
- Ela deve estar desesperada. E não é como se a gente estivesse invadindo o apartamento dela de novo! - a voz dele sai um pouco mais alta. É uma voz grave. Não combina com seus cabelos quase dourados e ondulados, muito menos com os olhos azuis. Mas combina um pouco com o corpo forte. O mesmo corpo que poderia me matar em dois segundos, se quisesse.
Um envelope passa por debaixo da minha porta e o barulho dos dois conversando vai sumindo até tornar-se um silêncio absoluto. Levanto e recolho do chão. É uma carta, junto com uma nota de cinquenta reais.
"Oi
Desculpe-me pela recepção de hoje. Vimos a porta aberta e achamos que seria uma boa ideia entrar. Não se repetirá!
Somos os vizinhos do 401. Qualquer problema ou dúvida, pode vim falar com a gente :) nós só queremos te ajudar.
O bolo que deixamos aí a minha irmã, Carla, passou a manhã inteira fazendo. Ela, assim como eu, gosta de agradar as pessoas.
Se o dinheiro que deixei aí não for o suficiente, venha falar comigo. Prometo compensar todo o prejuízo.
Espero que um dia possamos rir de toda essa situação.
Att, Vinicius"
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a chama que há em mim
RomanceSuas mãos deslizavam pela minha coxa, querendo explorar cada pedaço de mim. O toque de seus dedos arrepiavam minha pele, que queimava implorando por seu corpo. Sua respiração acelerada em meu ouvido abafava o som da minha voz gemendo, pedindo por ma...