O sol já começava a se pôr quando Alena chegou ao final da subida que a levava todos os dias para a parte alta da cidade. Ali ela já começava a se sentir confortável e livre, com suas roupas de ginástica e leitor de ebook em mãos. O ambiente calmo permitia que os sentimentos da jovem, sempre fervorosos, finalmente acalmassem, mesmo que apenas por alguns minutos.
Esse era o final da sua rotina das férias: depois de se arrastar pelo dia em sua montanha-russa de emoções, saia para uma caminhada às quatro horas da tarde, para que às cinco e meia ela já estivesse de volta ao seu bairro, e subindo a trilha da colina para ver o pôr do sol.
Já era a segunda quinzena de julho, e o tédio oficialmente se instalara dentro da jovem. Ela circulava ao redor dos afazeres domésticos, livros e séries, recusando-se a estudar durante as férias do cursinho pré-vestibular. Já que se dedicava demais aos estudos todos os dias em período integral, jurara para si mesma que aproveitaria as férias para não fazer absolutamente nada de útil além do que sua mãe mandava. Afinal, aos 19 anos, torcia para que fosse seu último ano desempregada e fora da faculdade.
Longe do convívio social não familiar, Alena via-se majoritariamente feliz. Era tomada por seus sentimentos intensos apenas quando afundava-se numa nova história. Por ela, essas férias poderiam durar anos, se o clima continuasse o mesmo.
Já na parte mais íngreme do caminho, Alena sentia os pedregulhos da trilha formarem um solo irregular sob a sola de seus tênis. Seus pulmões já estavam um pouco acostumados com a rotina que fora estabelecida há mais de quinze dias, mas, ainda assim, teimavam em reclamar naquele trecho.
Como se a respiração acelerada puxasse memórias não-tão-antigas, Lelê, como sua família a chamava, teve a cabeça inundada pelos dias de solidão da escola, que ainda perduravam. Nunca fora boa em fazer amigos, muito menos em lidar com romances – assunto que ela deixava para os personagens dos livros e séries. Apesar de não saber lidar muito bem com os próprios sentimentos, Alena tinha ciência de seu medo em se envolver demais e confiar nas pessoas. De tempos em tempos, aparecia o peso de uma juventude sem grandes aventuras. Porém, quando algo mudava ao seu redor, não demorava muito para aparecer as saudades da calmaria anterior.
No final da subida, já era possível ver os telhados marrons de seu bairro, e facilmente encontrar sua casa numa esquina. O céu já estava alaranjado, e as luzes automáticas das ruas e da trilha, acesas. O ar ali em cima era um pouco mais fresco.
Ao olhar para o seu lugar no gramado de uma parte descampada e mais alta da trilha, a jovem não se viu sozinha. Havia um rapaz sentando-se, enquanto o sol ia para o outro lado do planeta. Alena estacou no lugar, já sentindo-se inquieta com o fato de não estar a sós ali como sempre ficava.
Alena decidiu continuar andando para a frente, como se suas intenções sempre tivessem sido chegar ao final da trilha sem parar. Antes mesmo de estar de costas para o seu lugar, o olhar do outro a alcançou, como se fosse rotina. Ela parou de andar. Aquele par de olhos agiram como um ímã para a sua atenção. O rapaz estava em completo silêncio, porém sorrindo.
— Oi!? – Depois de alguns momentos de troca de olhares, a jovem não segurou o impulso de querer entender o que estava acontecendo. Porém, não houve resposta. – Ei!
— Ah! Você está falando comigo? – Quando, finalmente, o moço respondeu, foi como se estivesse passando pela maior surpresa dos últimos dez anos.
— Sim... – Lelê respondeu, olhando para os lados numa tentativa de deixar claro que não havia mais ninguém ali.
Durante outro momento de silêncio, o jovem loiro se levantou, limpando as mãos na calça jeans, e parecendo desconfortável – até meio perdido. Ele passou a mão nos cabelos cacheados, depois voltou a falar.
― Ãhn... Você é quem fica aqui todo dia enquanto o sol se põe? – Não tinha como fugir daquela pergunta. Apesar da trilha ser pública, era pouco usada. Dava para contar nos dedos de uma mão as pessoas da região que se colocavam a subir aquele morro cercado de mato.
― Talvez. E você...?
― Acabei de chegar.
— Ah... Tá. Então tchau! – Alena gaguejou, colocando-se de volta na trilha. Aquela conversa era estranha demais para ela se permitir continuar ali.
— Você não assistirá ao pôr do sol?
— Eu te conheço? – Por uns segundos, ela poderia jurar que já vira o jovem por aí dezenas de vezes.
— Não faço ideia. – Ele deu de ombros. – Mas sempre estou por perto – apontou para o bairro com um movimento de cabeça.
A única coisa que passou pela cabeça de Alena foi um inconformado "o que?", mas não foram necessárias palavras para que o jovem percebesse a situação. O rosto da moça entregou tudo.
— Desculpe, devo estar parecendo um stalker potencialmente perigoso.
— E bota potencialmente nisso...
— Já te vi subir a trilha algumas vezes.
— Isso não muda muito as coisas.
— Gosto daqui. Só isso.
— É, eu também.
— Imaginei – disse o jovem, olhando para o laranja cada vez mais intenso do céu. – Bom, me chamo Praiah. E você? – Ele se aproximou, estendendo a mão para um aperto fraco. Praiah aparentava ter a mesma idade de Alena, porém seu jeito de agir e falar combinava muito mais com um adulto tímido.
— Alena. – Ela aceitou o aperto de mão, e sentiu geladas as pontas dos dedos de Praiah. Apesar do contraste da temperatura, o toque não foi desconfortável. Pelo contrário, era como se uma rajada de energia saísse dos dedos do moço e percorresse todo o corpo de Alena. Sentindo a nuca arrepiar, a jovem de cabelos morenos demorou para soltar a mão de Praiah.
Estando, agora, mais perto dele, ela percebeu a profundidade de seus olhos azuis. Apesar de intenso, seu olhar parecia distante, quase como se houvesse um véu os separando.
— Bonito nome. E nem precisa tentar devolver o elogio. Sei o quão estranho é o meu.
— Ah, até que é legal.
— Talvez para alguém que tem um pouco mais cara de surfista do que eu.
— Cara de surfista?
— É. Cara de quem não vai virar uma lagosta se ficar no sol por mais de uma hora.
— Então, cara de quem usa protetor solar?
— Touché.
— Aham. – Sentindo que o assunto havia morrido, Alena colocou-se a andar novamente, soltando de uma despedida tímida.
A sensação do toque continuava na sua mão, e seu cérebro já dava um alerta vermelho, inventando sentimentos perdidos e desconexos. Em segundos, ela sentiu atração, receio, ansiedade, vontade de sair correndo, e mais algumas coisas que passaram rápido demais para serem identificadas.
Já em casa, de banho tomado e pijama no corpo, ela olhou pela janela de seu quarto e percebeu que Praiah ainda retumbava em seus pensamentos. Até para alguém que vive enfiada nos livros, seria clichê demais conhecer durante o pôr do sol um rapaz de cabelos loiros e cacheados, olhos azuis e rosto bonito.
Balançando a cabeça, numa imitação nada natural de quando os personagens tentam livrar a mente de alguma coisa, Alena se lembrou de pensar fora da caixa. Não era mais criança para continuar ponderando sobre o acontecido. Se fosse para viver um clichê, que fosse pela personalidade de príncipe encantado, gentil e cavalheiro, não pela aparência de Anjinho da Turma da Mônica.
Porém, apesar de não querer, ela continuou pensando. Antes de dormir, desejou ter sentado ao lado de Praiah. Algo nos olhos do garoto simplesmente não queria sair dos seus pensamentos. Não o brilho, muito menos a cor. A sensação era de um imã que a puxava para mais perto.
Com a cabeça no travesseiro, percebeu que seus pensamentos já haviam evoluído de uma pontada de curiosidade e emoção, para uma ansiedade quase incontrolável para rever Praiah. Não tinha certeza nenhuma de que ele iria até o topo da trilha novamente. Porém, se isso acontecesse, Alena esperava criar coragem para se aproximar.
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Anjo de Neve
RomanceAlena passou a não se ver sozinha no lugar entre o dormir e o acordar, onde ela ainda podia se lembrar de sonhar. Praiah estava lá, dizendo, com as mesmas palavras de Peter Pan, que a estava esperando. Conheceram-se durante o pôr do sol de um invern...