Prólogo

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A constância não era um elemento comum à natureza da vida, em todos os seus sentidos, propriedades e associações – apesar de residir nas repetições.

Espaço, acontecimentos, pessoas. A realidade seguia um curso oposto, incerto e mutável, onde alterações poderiam ser feitas de qualquer ângulo ou perspectiva, por qualquer coisa, desde a seres inanimados aos portadores da – pseudo – racionalidade.

Pessoas mudam pessoas, este era, afinal, o segredo da vida. Era uma verdade, conquanto houvesse quem tentasse negá-la e driblar as suas peripécias.

[...]

O moreno suspirou aliviado quando finalmente pôde se jogar na calçada, longe do ar claustrofóbico do enorme, mas tão pequeno imóvel que se encontrava instantes atrás.

As mãos tatuadas escorregaram pelas madeixas escuras enquanto o chuvisco que ainda caía molhava-o suavemente. Fechou os olhos, sentindo a tranquilidade tomar conta, ainda que só estaria realmente em paz quando estivesse no conforto de seu apartamento.

Um som conhecido vindo do seu bolso chamou sua atenção. Percorreu os olhos pelas mensagens recebidas, percebendo um único remetente. Era Sachi, de seu círculo restrito de amigos.

(Onde vc tá???)
(Já rodei tudo atrás de vc)
(Que merda)
(Não me diz que já foi embora?)
(Porra law eh o aniversário do Penguin cara, e ainda conseguimos vir na festa na mansão do cavendish!)

E o mais incrível era que não tinha durado uma hora sequer naquele lugar, impressionante sua capacidade de lidar com desconhecidos e ambientes agitados.

Se bem que o vômito de um cara aleatório em seus sapatos, o arranhão em sua nuca de uma garota que o confundiu e o quase soco que levou do namorado dela já era motivo o suficiente para querer fugir o mais rápido possível daquela festa.

Respondeu com um simples pedido de desculpas, dizendo se sentir mal por uma dor de cabeça e já estar em casa. Era uma merda estar onde e com quem não queria apenas pelo erro de ceder à insistência dos amigos para sair com eles, todavia não queria jogar a culpa de seus problemas de socialização neles, preocupá-los e ainda estragar o aniversário de um deles. Não era tão babaca.

“Merda de vida!”, resmungou passando as mãos pelos fios soturnos levemente úmidos, observando seu reflexo numa pequena poça de água se deformar a cada fina gota da garoa que era despejada sobre ela.

“Patético”.

[...]

O caminho de volta para casa pelas ruas escuras e vazias de uma quase madrugada estava pacato e silencioso, só havia vozes lamuriosas em sua mente sobre o desastre natural que foi a junção das moléculas orgânicas que formaram a primeira célula.

Odiava se sentir daquela forma; o desconforto, a angústia e ansiedade em estar em condições fora do seu cotidiano. E por isso atribuía toda a culpa da situação para a breve escapada de sua rotina. Estava certo em preferir o conforto de uma rotina estável à qualquer inovação; detestava alterações – e com razão –, por mais sutis que fossem.

Seu caminho de lamentações, no entanto, foi interrompido quando uma figura cambaleante surgiu na esquina em que viraria, interpondo-se em seu caminho.

Era o que faltava para sua noite ficar pior.

A mente pessimista logo imaginara ser, no pior dos casos, um ladrão ou um lunático, o que provavelmente traria riscos à sua integridade financeira, mesmo que só houvesse o celular em seu bolso, afinal foi comprado com muito esforço de projetos de pesquisa mal remunerados, ou física.

No melhor dos casos talvez fosse apenas um bêbado idiota e inofensivo.

Como se ironicamente não quisesse parecer tão cruel, a vida sorriu para o Trafalgar, pois era a segunda hipótese; percebeu quando a silhueta caiu no chão e pôs-se a rir escandalosamente. Contudo, a risada ecoou fundo em sua mente como uma lembrança distante, acompanhada de um presságio sussurrando ao pé do ouvido.

Estágios de uma tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora