Olhei para os lados e notei que guardas imperiais bloqueavam a minha fuga, um de cada lado, com armaduras leves, bestas em punho e semblantes de poucos amigos. Pensei então em correr para frente, na direção da floresta, mas naquela direção, com os braços cruzados, estava um verdadeiro gigante, trajando uma armadura medieval completa. Decidi então virar o pescoço para trás, mas tudo que vi foi um grande penhasco, com um mar revoltoso abaixo e um sol escaldante de verão ao fundo. Estava cercado, sem saída.
– Lorde Seymour, temo que este seja o fim da linha para o senhor – uma voz aguda e entusiasmada surgiu por detrás do gigante – Ajoelhe-se perante mim, o seu Rei, o grande Ferdinando V, e implore por clemência. Ou...
Fez-se um longo período de silêncio em seguida, durante o qual notei que os presentes pareciam mais interessados em limpar as suas orelhas com os dedos mindinhos ou afastar os mosquitos que pairavam sobre as suas cabeças, do que prestar atenção naquele homem que não media mais do que 1,50m, mesmo considerando o salto de sua bota.
– Ahem! – o pequeno homem limpou a garganta antes de prosseguir com a sua voz irritante – O senhor não está interessado em conhecer a outra alternativa?
A minha resposta foi curta e grossa. Uma bela escarrada na direção de suas botas de couro. Foram quase 3 metros de voo, o que provavelmente seria o novo recorde daquele vilarejo, caso alguém tivesse se importado de trazer uma fita métrica para medir tal feito. Fiquei orgulhoso de mim naquele momento, de qualquer forma.
Contudo, nem todos comungaram desse mesmo sentimento. Verdade que alguns risos se seguiram ao ocorrido, porém logo abafados pelo longo chilique manifestado por aquele sujeito desprezível, usurpador de tronos.
Conhecia aquele homem desde sempre, então sabia explorar o seu ponto fraco: ele não tolerava ser desprezado e costumava perder as estribeiras quando isso ocorria. Aquele era um ser composto por puro ódio. Seria um pinscher com 110% de ódio, se usássemos a escala dos cães para medir tal concentração.
Devo dizer, com profundo pesar, que aquele homem orgulhoso era meu tio, irmão mais novo de meu pai. Apesar de nossos laços sanguíneos, ele conspirou para matar o meu pai, por envenenamento, e agora planejava eliminar a última grande ameaça no seu caminho: Eu mesmo, o herdeiro do trono por direito.
Finalmente, após chutar terra para todas as direções possíveis, o que contribuiu para sujar ainda mais as suas botas, o homem decidiu sair de cena. Antes, no entanto, fez um gesto um tanto deselegante: passou o indicador de um lado ao outro de sua garganta. Ele queria a minha cabeça, isso estava bastante claro.
Com o coração batendo cada vez mais forte, decidi agir para equilibrar a batalha. Em um único movimento rápido e sem hesitações, saquei duas adagas das mangas de minha camisa e, com um giro forte com os pulsos, lancei-as para as minhas laterais, na direção dos guardas com as bestas. Foram dois lançamentos precisos, que acertaram o pescoço de ambos, incapacitando-os.
Faltava "só" o gigante que estava à minha frente, que parecia não ter se abalado com o que acabara de ocorrer. Agora com a minha catana empunhada na minha mão esquerda, procurei estudar aquele meu oponente. A minha estratégia consistia basicamente em girar ao seu redor, tentando manter uma distância segura entre nós dois, enquanto procurava alguma abertura para um ataque.
Por fim, prevaleceu aquela velha máxima: se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé. Ou talvez devesse ser o contrário... Enfim, empunhando uma espada longa com suas duas mãos, o gigante deu um passo à frente e desferiu um ataque violento com um movimento da esquerda para a direita, na direção dos meus órgãos vitais. Colocando todo o peso do meu corpo na minha perna mais à frente, consegui segurar sua investida, cruzando nossas espadas.
Porém, aquele sujeito não estava disposto a jogar limpo e desferiu uma forte cabeçada em minha direção, o que acabou por me derrubar de costas na direção do chão. Em um movimento de cima para baixo com a sua espada, iniciado da altura de sua cabeça, o gigante tentou finalizar a luta. Senti a lâmina da espada próxima ao meu rosto, mas consegui desviar daquele golpe fatal no último instante, rolando para o lado.
Então, o gigante girou a espada em minha direção, mas existia uma distância segura entre nós. Aproveitei para me levantar e voltei a ficar frente-a-frente àquela máquina de guerra. O meu corpo doía, mas sabia que precisava manter o foco e ser paciente. Uma chance para vencer haveria de aparecer... certo?
Apaguei-me com afinco a essa ideia, embora estivesse difícil ver uma luz no final daquele longo túnel. Foram uma, duas e três investidas do gigante, mas escapei de todas elas com belas fintas de corpo. Mas a essa altura as minhas pernas já pareciam pesar uma tonelada, então sabia que não aguentaria mais muito tempo. A janela de agir estava passando...
Até que o gigante hesitou. Ele levantou de forma exagerada a espada, deixando o corpo desprotegido por alguns segundos. Instintivamente, fiz um ataque por estocada, avançando rapidamente as pernas e penetrando a espada na armadura do meu oponente, na altura do coração. O gigante andou alguns passos para trás, cambaleante, e finalmente despencou na direção do chão. Estava derrotado.
Fiquei ali parado por um bom tempo, encarando o horizonte e ouvindo os sons dos pássaros que voavam para o norte, como sem acreditar no que acabara de ocorrer. Foram muitos meses de abnegação e de treinamento todas as manhãs, tardes e noites. Não sei quanto tempo se passou até que finalmente saí daquele transe. Então lembrei que ainda havia algo a fazer.
Ferdinando estava agachado próximo a uma grande rocha, implorando por perdão. Ele gritava que tudo não se passava de uma brincadeira e que não pretendia me machucar. Mas não me deixei enganar por aquele trapaceiro: marchei triunfante na direção daquele homem que agora parecia ainda menor, levantei a minha espada e... tudo ficou escuro.
Fiquei nervoso, mas procurei pensar que tudo aquilo era normal e logo as coisas se resolveriam. Esperei mais um tempo, até que recebi um cutucão no ombro e entendi que não tinha mais jeito. Desapontado, retirei meu VR Headset, coloquei o controle do videogame sobre a cama e encarei a minha interlocutora, que segurava um grande fio que havia recém retirado da tomada.
– Era... era o final do jogo! Você não podia fazer isso! – gritei com uma voz embargada em um pranto de desespero, enquanto segurava a caixa do jogo apertada no meu peito.
Eu tinha treze anos de idade e ainda tinha que implorar para minha mãe deixar que eu guiasse minha própria vida... um absurdo!
– Moleque, você me respeita! Já passou da hora de largar esse videogame e vir almoçar, antes que a comida esfrie! Eu não criei um menino tão mimado, isso é tudo culpa da sua avó! E limpa logo essas lágrimas do rosto para não molhar o chão!
– Ah não, mãããããããããããe!

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Entre espadas e montanhas
Historia CortaO conto narra, em um cenário medieval, a luta de Lorde Seymour por sua vida e por seu trono de direito, ora usurpado por seu traiçoeiro tio, que enviou guardas imperiais e um gigante para eliminar qualquer ameaça a ele.