O cara da autoajuda realizou os meus desejos

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Depois de chegar aos trinta anos, sendo escravizado para ganhar uma merreca, a gorjeta que fosse, para receber um pouco a mais que o salário mínimo em uma lanchonete de hambúrguer, você vê o quanto tornou-se um sujeito patético e ridículo. Nem sequer estou mais satisfazendo a minha mulher, e ela sempre me trata como se eu fosse um hóspede qualquer, que mora embaixo do mesmo teto apenas porque não tem para onde ir, sem compartilhar mais a ternura e o amor que estávamos explodindo no ápice da nossa juventude. Nunca tocamos nesse assunto, mas nós dois sabemos que estamos todos os dias pensando a mesma coisa: o quanto foi um erro ter três filhos retardados, vítimas desse novo século precoce e desestruturado, o casamento foi a pior decisão que já tomamos. Essa é "a coisa" que tornei-me e a vida que eu não consegui sair depois de tanto tempo.


Os momentos mais incômodos são quando encontro os meus colegas de infância e adolescência bem-sucedidos com os seus carrões e mulheres atraentes. O pior mesmo é a forma que encaram-me, por alguma razão, aparecendo às vezes para mostrar como ainda são humildes como qualquer outro ser humano. Nas ocasiões em que conheço alguém, que ganha três vezes mais do que eu e trabalha bem menos, tento disfarçar o quanto eu estou sendo um cobiçoso e idiota usando um chapéu com o formato de hambúrguer e uma frase genérica na minha camisa. Eu sempre faço a mesma coisa com um sorriso que aprendi a manter no rosto, como se tivesse sido desenhado com um lápis: sorrio e aceno para todos.


Tento evitar a minha casa e interagir com eles o máximo possível. Nas horas do almoço, vou à cozinha da lanchonete, recolho as sobras e como atrás do restaurante, assistindo alguma coisa no YouTube, como faço ocasionalmente. Aqui não há ninguém para me perturbar, além dos gatos roçando nas minhas pernas para ganhar um pouco da migalha e outros cães de rua sentados ao meu lado, como se fizessem parte das criaturas desprezíveis. Abri o aplicativo, na aba inicial, e percebi um anúncio de autoajuda estampando o rosto daqueles caras bem-sucedidos e muito atraentes, bem convidativo com a mensagem: "Clique aqui se você quiser ser alguém bem mais do que é agora!".


A mensagem de trinta segundos no anúncio transmitia essas informações:


"Sei o quanto está insatisfeito com a sua vida. Os sonhos que não conseguiu realizar, o salário que quer receber, mas está bem longe dos seus dedos. Precisa reaquecer o amor com a sua companheira, ou amante, aqui ninguém é de ferro. Sei o seu potencial agora assistindo este anúncio! Não é por acaso que você clicou nele, vamos escapar de todo esse estresse. Você é bem mais do que algo patético, lamentando-se da vida e com inveja de quem foi bem melhor do que você de alguma forma. Não é largando os meios de comunicação, deixar a Netflix de lado e baixar algum aplicativo para controlar a sua rotina, que vai fazer as coisas mudarem em um estalar de dedos. Esteja presente na palestra para se encontrar de uma só vez!".


Depois de ter sido direcionado ao link do vídeo completo, ao final dos vinte minutos que pareceram horas, finalizando com algumas mensagens pós-crédito, fiquei com o queixo caído, sentindo que aquelas informações eram para mim e seriam a solução dos meus problemas. Será mesmo que ele pode me ajudar? Será que é a única pessoa, além do próprio Deus no céu, acima das nossas cabeças, que vai me tirar desse abismo profundo? Um vira-lata sardento estava lambendo o meu prato, quando terminou de comer o meu almoço, eu não me importei, dei de ombros, e consultei a agenda dos locais onde o palestrante estaria e, para minha sorte, ele irá se apresentar esta semana, em uma quarta-feira à noite, na minha cidade. É tudo que eu preciso, ver e presenciar com os meus próprios olhos para ter certeza se tudo que ele disse é verdade.

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