"Aqueles que morreram na neblina, jamais vão descansar. Os seus gritos de ódio e seus choros podem ser ouvidos na neblina, basta apenas escutar. Às vezes, eles podem ser vistos, pois sua alma ainda ficou presa no corpo. A verdade é que são pessoas que morreram cheias de ódio e dor no coração. Isso porque a neblina estava no coração deles bem antes de ela chegar, mas não existe mais volta, pois na neblina as almas estão perdidas e sem esperança de sair novamente..."
O nosso vilarejo de Akakor guarda segredos como qualquer outro, porém, aqui, as pessoas são unidas na maior parte das vezes. Todos trabalham o dia todo e no final da tarde se reúnem juntos na mesa para uma refeição falando sobre os seus cotidianos. Televisão e rádio não fazem parte da região. Nós só precisamos uns dos outros, mas, quando a neblina surge, significa que você tem que se trancar dentro da sua casa ou qualquer outra localidade que pode ser fechada.
Nos trancamos em uma loja de sementes quando a neblina começou a aparecer. Os sinais são claros para quem mora aqui: ela começou engolindo o sol, deixando tudo cinza e prateado. O vento some, não sentimos mais a sua presença como se estivéssemos dentro de um lugar fechado. Os barulhos de pássaros e qualquer sinal de vida simplesmente se escondem. Apenas ouvimos nossa própria respiração. Isso significa que a neblina está presente.
As janelas foram cobertas com persianas, a porta de vidro devidamente ocultada para que nós não possamos enxergar o que acontece lá fora. Eu havia apenas escolhido um dia ruim, um bonito, e ela chegou para estragar tudo. Não vem sempre, quero dizer, já fazia um bom tempo que não aparecia, e escolheu logo aquele dia. Estava longe de casa, por mais que esteja com pessoas conhecidas. Na ocasião, estávamos apenas respirando com cabeça baixa e sentados em algum lugar do estabelecimento. Parecia que iríamos aguardar tempo suficiente para as coisas ficarem "normais", mas algo foi diferente dos planos.
"Socorro! Estamos perdidos! Alguém aí?" - uma voz gritou do lado de fora. Nós olhamos um para o outro, ninguém poderia sair. Era uma regra para todos do local.
"Não pode ser possível... como alguém poderia sair na névoa?" - o velho, o dono do estabelecimento, disse com o rosto genuinamente perplexo, cochichando quase baixinho demais para ser ouvido.
"O nosso carro quebrou!" - a voz feminina disse agora. Aparentemente eram duas pessoas.
"Pode ser gente de fora. Por mais que seja difícil aparecer suas visitas. Às vezes, eles acabam se perdendo em uma trilha ou então confundem as estradas, encontrando a nossa Akakor. Mas isso nunca aconteceu em um dia de neblina, é quase impossível! As coisas são diferentes lá fora, quando..." - ela de repente parou quando iria falar sobre as coisas que os mais velhos dizem que aparecem com a neblina e levam os outros. Elas já levaram várias pessoas. Todos nós sabemos o que acontece se você estiver lá fora e ver um deles.
"Provavelmente eles não fazem parte do local. Quem diabo sairia em uma situação dessa?" - levantou-se de onde estava sentado. É impressionante como alguém alto parece ainda mais alto quando está sentado e se uma levanta diante dos outros. Ele caminhou lentamente até a vidraça e bisbilhotou.
"O carro deles não está parado muito longe. Consigo ver poucamente. A neblina não está muito intensa." - Michael estava quase de joelhos, fitando para fora. Ele não parecia estar com medo. Talvez a preocupação pelos outros do outro lado falasse mais alto. Nós o conhecíamos muito bem, havia perdido pessoas importantes. Quando não estava bêbado, encontrava-se tentando fazer alguma coisa pelos outros, quase roboticamente. Um cara sem um sorriso no rosto, olhos tristes e afundados, era isso que o definiria além da altura e a magreza, cabelos longos e escuros nos ombros.