2 _ Ponta do iceberg

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Dias atuais

Jason

Mudar para a cidade de San Francisco foi a decisão mais complicada que já tomei na vida. Era perto da minha cidade natal, entretanto, bem mais acolhedora que Palo Alto. Talvez seja por não ter cravado em suas terras as malditas lembranças do meu passado.

Muita coisa aconteceu desde o fatídico dia em que Ava fugiu novamente para as ruas. Após todos os meus esforços para subir profissionalmente na vida, meu desejo em destruir criminosos me fez oscilar entre ser juiz e promotor de justiça. Porém, a decisão foi mais fácil quando percebi que poderia fazer muito mais na promotoria, acompanhando e investigando casos de perto, atuando mais intensivamente na coleta de provas e podendo combater os​ criminosos com muito mais recursos.

Enquanto isso, a minha irmã cresceu e se desenvolveu muito bem. O grande problema era o preconceito das outras crianças que a deixavam desmotivada para ir para a aula. O fato de Emily ter um cromossomo extra ao par vinte e um infelizmente acarretava situações absurdas. Alguns adultos costumavam julgá-la como incapaz de conviver em sociedade, o que nunca fez sentido. Já as crianças costumam implicar com as características físicas da minha pequena por ela ser diferente delas, o que também era absurdo.

Desde os primeiros meses de vida, enfrentamos inúmeras dificuldades por conta de sua saúde frágil, mas nada disso atrapalhou seu desenvolvimento. Frequentamos fonoaudiólogos e terapeutas para que ela pudesse desenvolver a fala e o entendimento da maneira correta. E graças a isso, ela se adaptou melhor do que o esperado a tudo. Apesar da dificuldade de aprendizagem, ela sempre foi muito esperta e falante, além de ser extremamente carinhosa e doce. Mas mesmo assim, ainda atrai olhares de pena ou repulsa. E isso eu não admito. Já perdi as contas de quantos colégios processei por simplesmente não saberem incluí-la. Emily tem condições suficientes para frequentar uma escola regular, não é necessária uma instituição específica para quem tem síndrome como ela, muito menos precisa ser isolada dos outros alunos, como muitos malditos professores fizeram nos últimos anos.

Por conta disso tudo a decisão de mudar de ares parecia fazer muito bem a ela. Era visível o quanto estava empolgada com a experiência enquanto estávamos abrindo as caixas com seus brinquedos favoritos​.

— E a... babá? — Ela questionou apreensiva, pegando seu carrinho de controle remoto e sentando na cama.

— Vou providenciar uma ótima babá para você. Prometo que ela será tão legal quanto a senhorita Blossom era. — Garanti, e ela abaixou a cabeça abraçando o carrinho, apertando-o ao peito. Isso era um claro sinal de que estava nervosa. — Ei, olha para mim! — Pedi calmamente, e ela ergueu o rostinho. — Infelizmente, ela não pôde mudar conosco, mas vou arrumar uma nova babá tão divertida quanto ela para cuidar de você. Ok?

— Ok. — Sorriu soltando o brinquedo. — Ela vai brincar comigo?

— Sim. Vai brincar muito com o que você quiser.

— E a escola, Jay? — Questionou, voltando a ficar preocupada.

— Você vai para uma escola incrível. — Expliquei, e ela abaixou a cabeça novamente. — Lá ninguém vai te magoar. Eu prometo.

— Não vão gostar de mim. — Murmurou chateada e eu puxei seu rostinho para me olhar.

— Claro que vão, meu amor.

— Nunca gostam. — Rebateu tristemente. Cerrei os punhos com ódio do quanto a machucaram. Do quanto não consegui protegê-la dos preconceituosos​. — Me... Chamam... De monstro.

— Você não é um monstro! Eles são! — Falei entredentes tentando não me exaltar. — Eu te prometo que tudo vai ser diferente nesse colégio. Você aprenderá muitas​ coisas​ legais e fará os desenhos lindos​ que tanto gosta. — Garanti e ela pareceu pensativa por um instante. Então sorriu encantadora, animada com a minha promessa. — Agora vamos terminar de arrumar essa bagunça?

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