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3 _ Às avessas

Samantha

A desigualdade social é um problema global, entretanto, na Califórnia é algo mais acentuado. A quantidade de milionários e bilionários não deveria ser tão chocante, a questão é quando notamos que eles possuem uma renda infinitamente maior que a grande maioria da população junta. E eu estou justamente do outro lado dessa balança desleal.

Sempre vivi às margens dos bairros chiques. Moro com a minha avó desde que fugi de casa e larguei a escola, bom, eu não queria verdadeiramente abandonar os meus estudos. Porém, eu não suportava mais tantas humilhações vindas dos meus pais e dos outros alunos. Sempre tive extrema dificuldade para conseguir ler e escrever. Por mais que eu me esforçasse e tentasse incansavelmente, nunca conseguia melhorar meu desempenho. Então chegou uma fase que repeti tanto de ano que eu era muito mais velha do que qualquer outra criança da turma. Nunca tive condições para ter aula de reforço ou ir ao psicólogo como alguns diretores sugeriram diversas vezes. Meu pai costumava dizer que meu problema era falta de apanhar e me batia quase diariamente. Isso obviamente nunca resolveu. Pelo contrário, apenas piorou tudo dentro de mim. Ele me chamava de burra e incapaz. E o pior, ele não estava errado.

Nunca consegui um diploma nem nada de grandioso na vida. Fugi para a casa da minha avó aos treze anos e comecei a trabalhar como babá. Desde então essa é a minha profissão. Eu não reclamo disso, amo cuidar de crianças. Entretanto, é claro que eu tinha sonhos maiores antes de tomar essa decisão. Sempre quis ser professora. Eu queria muito poder ajudar alunos que, assim como eu, não se encaixam perfeitamente em uma sala de aula. Porém, se eu não consegui sequer aprender, como poderia ensinar?

Obviamente isso era um sonho que fui obrigada a descartar.

Diferente dos meus pais, minha avó sempre foi a melhor pessoa da minha vida e me apoiou em tudo. Somos muito ligadas desde que me entendo por gente, normalmente nos divertimos muito juntas, porém, os últimos meses foram de pura angústia e apreensão. Ela precisou passar por uma​ cirurgia simples após sofrer de apendicite, mas contraiu uma infecção e o tratamento ficou mais complexo que o esperado. Descobrimos tarde demais que o nosso plano de saúde não cobria muitas coisas que ela necessitava, como, por exemplo, as várias consultas, alguns exames, medicamentos e até mesmo parte do valor da cirurgia, o que acabou fazendo a conta do hospital virar uma grande bola de neve. Nos vimos completamente desesperadas​ e a solução que encontramos foi hipotecar a casa.

Mas é claro que tudo que está ruim sempre pode piorar. Perdi o emprego quando meus patrões decidiram mudar para outro estado, minha avó recebia pouco dinheiro costurando na garagem da nossa casa e ainda teve que parar alguns dias até se recuperar, as contas acabaram acumulando e graças a isso estavam prestes a cortar a nossa luz.

Os classificados se tornaram meus grandes aliados. Marquei entrevista em três casas diferentes​ e não consegui nenhuma vaga. Uma mulher teve a audácia de me dizer que eu era muito atraente demais para ser uma babá e isso poderia oferecer riscos ao seu casamento. Eu nem sequer soube o que responder.

Vaguei pelas​ ruas sem direção enrolando para voltar para casa. Não queria encontrar a minha avó acordada. Ela estava muito esperançosa que eu arrumasse logo um novo trabalho. Foi então que decidi visitar minha amiga no bar onde ela trabalha. Estávamos conversando quando sem querer esbarrei em um idiota colossal. O que o idiota tinha de bonito tinha de grosso e mal-educado.

— Você viu isso? — Questionei indignada para a minha amiga. — Viu como aquele louco surtou por causa de um simples esbarrão?

— Esquece isso, ele já havia bebido demais. — Gwen respondeu secando alguns copos. Olhei novamente para trás e encarei a porta do bar por onde o nervosinho passou como um furacão.