Capítulo 1.

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      Catra estava podre. Não tinha outra palavra para defini-la a não ser  esta.

      A noite anterior fora repleta de ansiedade e insônia. Pensar em viajar para outro país completamente desconhecido a deixava acordada feito uma coruja. Como se isso tudo não bastasse, o medo de altura e suas paranoias não permitiram que ela dormisse no avião, o que significava que não havia dormido praticamente nada nas últimas 24 horas.

      Ajudar a mãe a carregar as caixas de mudança para dentro do pequeno apartamento alugado também colaborou em seu esgotamento físico e mental. Tudo que a colombiana desejava era tomar um banho e apagar em um sono profundo.

      — Catra — Sua mãe, Dora Pérez, chamou antes de colocar a cabeça para dentro do quarto. — Vá tomar um banho, não deite na cama suada. 

      Dora sempre tomava o tom doce na voz enquanto falava com a filha. O laço entre elas sempre foi forte e comunicativo o suficiente para que resolvessem os conflitos apenas na conversa. Afinal, não só passaram por poucas e boas juntas como também se pareciam muito, emocional, mental e fisicamente. A pele dourada, típica da américa latina, o sorriso com os olhos, o cabelo castanho escuro e volumoso, a voz suave e doce, o tom mel acastanhado de um de seus olhos... Sim, de um de seus olhos. Catra possuía a herança genética que fazia um olho ter mais melanina do que o outro, também conhecida como heterocromia. 

      Catra suspirou. Levantou-se. Sentou na cama fitando a mãe com um olhar tristonho e desanimado. Sentiu os olhos lacrimejarem e não tardou de desviar o olhar de Dora para secá-los com a parte de trás de suas mãos. 

      Deus, como aquilo doeu no peito de Dora. Odiava ver a filha daquele jeito. Odiava saber que ela era parcialmente culpada pelos choros e pela falta de sorrisos dela. Odiava ter que fazê-la se adaptar longe das pessoas e dos lugares que ela mais amava. Mas aquilo era necessário e as coisas iriam se ajeitar em algum momento, elas precisavam se ajeitar. 

      Andou lentamente até a cama, sentando-se ali. Abraçou a filha, acariciando os fios castanhos bagunçados. Catra retribuiu, permitindo-se chorar. Conseguia escutar os batimentos de sua mãe, mas com certeza não era capaz de decifrar a dor que a mulher estava sentindo por vê-la daquela forma. Um selar foi deixado em sua testa. 

      — Sé que las cosas están difíciles, pero fue lo mejor que se pudo hacer (Eu sei que as coisas estão difíceis, mas era o melhor a ser feito).  — Catra assentiu, afastando-se dela. — Agora vá tomar um banho, sim? Daqui a pouco vamos jantar. 

      Dora levantou-se, deixou um último beijo na testa da filha e saiu do quarto.

     O quarto estava uma bagunça. Caixas estavam espalhadas por toda a parte, exceto pela cama de solteiro em que estava sentada. A parede era quase toda branca, mas na parede atrás de sua cama havia o papel de parede mais feio que ela já vira em toda sua vida, dono de um tom verde musgo horroroso e estampas de flores que pareciam coisa de velho.  Catra já estava mais do que decidida a lotar aquele pedaço de posters, isso se ela não resolvesse que arrancar o papel era uma ideia melhor (o que definitivamente era). O chão era coberto por um contact de madeira escura, mais uma coisa que fazia o lugar parecer pertencer há uma senhora de 80 anos. 

      Procurou pelas diversas caixas a que possuía, escrita em maiúsculo e com canetão preto, a palavra "roupas". Separou uma muda de roupas simples, composta por uma camiseta branca, uma calça jeans rasgada, calcinha e sutiã. Ao aproximar-se da porta, percebeu que a mãe deixara pendurada na maçaneta da porta uma toalha preta. 

      Andou em direção ao banheiro. O cômodo também não era lá muito bonito; na verdade aquele apartamento era simples, já que o dinheiro era curto, mas sua mãe prometera que iriam mobiliar o local assim que ela organizasse melhor sua vida financeira. Catra chegou a oferecer-se para trabalhar e ajudar com as contas da casa, mas Dora negou, alegando que ela era jovem demais para aquilo e que com dezesseis anos ela deveria estar completamente focada em seus estudos.

Hopeful - CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora