Capítulo 01

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Abri a porta do carro e me joguei no acento. Quase mecanicamente, liguei o som e, enquanto ouvia o sutil desenrolar da melodia de "Florence and the machine", fechei os olhos e suspirei profundamente várias vezes. Era sexta, havia sido uma semana intensa no trabalho, planilhas, materiais, ideologias arcaicas, ordens e comunicações péssimas resumiam a semana. Enquanto esperava o efeito do cansaço mental e do estresse se dissiparem, meu telefone toca.

- Hey... – Começo a cumprimentar Marina, mas logo sou interrompida.

- Você não vai acreditar no que fiquei sabendo! – pausa dramática, bem rápida. – Vai rolar um show solo daquela banda de brasileiros que parecem gringos e vieram para os festivais de música! E sua amiga maravilhosa acabou de ganhar duas entradas!

- Eu...

- Nem vem, sei que está cansada, mas vai ser um bar, coisa pequena, nem houve muita divulgação, é mais porque eles querem curtir o país de origem deles antes de voltarem para fora de novo, vai ser tranquilo, mesas, bancos, álcool e música boa! Não tem como você argumentar contra isso, Mad!

Ri do apelido que ela criou na nossa adolescência e, enquanto buscava argumentos, realmente não encontrei.

- Beleza, vai ser por aí?

Minha amiga se mudou para São Paulo assim que conseguiu entrar na faculdade, sedenta por caos e movimentação, enquanto eu segui morando, estudando e trabalhando na tranquilidade das cidades isoladas onde nascemos, preferindo isso ao caos e cheiro de podridão e, portanto, já torcendo o nariz com a decisão entre horas de trem ou de trânsito que teria que enfrentar para encontrá-la.

- Que nada, miga, vai ser em um clube de moto isolado, alguma chácara ou algo assim, completamente sua cara!

Ri do comentário, mas realmente me aninou saber que seria em um lugar menos artificial e fechado que os bares e baladas dos centros urbanos.

- Tudo bem, eu...

- Eu sei que você vai, querida! Só tira essa roupa de trabalho, toma um banho quente e coloca algo sensacional, pois o vocalista e esplêndido.

Ainda rindo, desliguei a ligação. Parando para pensar, já fazia uns anos até desde que eu tive relações com alguém, depois da Pandemia, nem sei se tenho noção do que é e de como flertar ou até mesmo transar, mas eu não poderia me permitir pensar muito sobre, pois isso me faria deitar e dormir até domingo então fiz o que sabia que me acalmaria: aumentei o som, que agora já tocava Nina Simone e liguei o motor.

Eu nunca entendi nada de carro, nem mesmo cuido muito bem do meu amado jeep, mas dirigir, me conectar com ele, guiar e manusear sob o som da música misturada com o motor era meu bálsamo, ocupava minha mente, espantava todas as paranoias, crises e anseios, me deixava numa margem distante da realidade, mesmo no trânsito, era apaziguador ouvir música e seguir os comandos básicos da direção.

Quando percebi, estava em casa. Alugava um espaço pequeno, mas com quintal, próximo da minha família e do trabalho, mas ainda assim, silencioso e isolado. Desligo o carro e assim que desço do carro, sou recebida por Gamora, que pula e quase derruba nós duas com seu tamanho, poderia ser quase um pônei, não um cão. Acaricio ela por todo trajeto até dentro de casa, entramos juntas, enquanto eu me despia e me jogo na cama enquanto ela se deita aos pés.

Acordo com uma gritaria vindo do portão, deixando-me alerta até reconhecer o que estava acontecendo.

- Mad, sua vaca! Era para você estar pronta e ir me pegar na estação, como sempre, porra! – Marina esbraveja em meio aos latidos de Gamora.

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