Aquele cheiro horrível de carne putrefata impregnava todo o local, assim como minhas narinas. Eu tinha certeza de que nunca conseguiria esquecer ou sequer deixar aquele cheiro sair de mim. Tudo no local fedia a morte e sofrimento, sim, o cheiro de sofrimento era algo real e eu podia muito bem testemunhá-lo. Minhas roupas e corpo estavam cobertos de um vermelho carmesim, ainda quente de ter esguichado de corpos humanos; minha boca sentia o gosto metálico do sangue e aquilo era muito nauseante, o que trazia até mim um refluxo grotesco. À minha frente estavam os corpos estraçalhados e devastados completamente por cortes e dilacerações, ainda vivos e gemendo numa dor que eu suponha ser excruciante. Eu apenas observava enquanto eles definhavam em um estado de sofrimento extremo, tentando em vão dizer algumas palavras de socorro ou amaldiçoando-me; eu poderia andar até eles e acabar com todo aquele inferno, mas fiquei parado, absorto em pensamentos divergentes e doentios, sobre o certo e errado a se fazer naquela hora. E ao meu lado estava ele, com um sorriso enorme no rosto, olhando sadicamente para aquelas pessoas, ele sentia admiração e amor pela cena em nossa frente, ouso dizer que se fosse possível, ele teria uma ereção vendo toda a matança. O sangue contrastava com seu corpo nu, espalhado por todo ele de um modo desuniforme e horrendo; ele lambia o líquido em sua boca com uma respiração ofegante de quem acabava de chegar a um orgasmo.
Ela rastejava pelo chão, vindo em minha direção, com muito esforço; era visível a dor que percorria por todo o seu corpo e a força necessária para fazer tal coisa, enquanto as lágrimas rolavam sem parar pelo seu rosto outrora angelical. Suas vestes antes limpas e lindas estavam agora com o rubro sangue as manchando, deixando-a de um jeito que se estivesse parada, eu acreditaria que já estava morta há algum tempo. Desesperada e ofegante ela tentava sussurrar suas últimas palavras, suas súplicas ou maldições, eu não conseguia entender nada o que saia de sua boca ensanguentada. Talvez ela pedisse por um golpe de misericórdia, que eu ou aquilo acabasse com sua vida de uma vez, para que toda a dor e sofrimento fossem embora, para que enfim o descanso eterno e o abraço apaziguador da morte chegassem. Sua mão direita tentava em vão me alcançar, tremulando no ar, sem alguns de seus dedos; mas ela tinha sido interrompida pela garra negra que terminou de dilacerar seu corpo inteiro, nem mesmo um grito final foi expelido, já não tinha mais forças para isso. O sangue e tripas de seu corpo esvoaçaram pelo local, deixando tudo ainda mais mórbido. Antes eu teria desmaiado somente de olhar tanto sangue, mas agora no meio de tudo isso, sem emoção alguma, eu apenas observava de modo contínuo, perdido em meus pensamentos sobre toda a situação e como tudo se sucedeu àquilo.
No fundo, bem lá no fundo de meu ser, eu estava gostando da situação. Eu não era tão diferente da coisa ao meu lado, compartilhávamos do mesmo prazer sádico-doentio de ver pessoas morrendo. Eu queria caminhar em direção aos outros ainda vivos, os que sofriam e choravam, apenas para poder lhes dar mais dor; eu queria que seus olhos implorassem ou queimassem em ódio puro e genuíno por mim; nada me deixaria mais feliz do que ver aquelas pessoas me destinando ao inferno, onde eu sofreria eternamente nas chamas ardentes. Assim que dei o primeiro passo, ele sussurrou em meu ouvido, com palavras que eu não conseguia distinguir, era como se falasse em uma língua totalmente desconhecida para mim, porém, mesmo assim, eu conseguia compreender o que me era dito. A hora estava chegando.
...
Eu acordei de um modo abrupto, deixando escapar um grito falho de minha boca enquanto jogava a coberta para o lado e sentia o suor escorrendo por todo o meu rosto. Minha respiração ofegante era incessante, estava cansado apenas de respirar e meu corpo inteiro tremia de medo, tive dificuldade até mesmo de pegar a garrafa com água ao lado da minha cama. Aquele pesadelo tinha sido muito vívido para ser apenas um delírio da minha mente, afinal, eu ainda conseguia sentir o sangue em minha boca e o líquido escorrendo pelo corpo, assim como o contraste de algo em minha mão direita. Ainda era madrugada e apenas a luz da lua iluminava o chão do meu quarto, atravessando a janela de vidro e por um segundo eu pude jurar ver a sombra de algo, mas logo em seguida não havia mais nada ali. O que mais me assombrava sobre o pesadelo que tinha acabado de ter, era o fato de não conseguir me lembrar da coisa que estava ao meu lado, além de suas palavras, por mais que fossem inteligíveis para mim; todo o resto repassava em minha mente como um filme de terror, tão claro quanto a lembrança do que eu havia assistido antes de dormir: The Evil Dead; o antigo, de 1981 e não a versão mais recente. Eu sou um amante de filmes de terror, principalmente as versões mais antigas e assustadoras, com aquela pitada de trash e exagero nas cenas grotescas. Bom, talvez tenha sido por causa disso o pesadelo, minha mãe sempre me dizia que as obras que eu consumia um dia se voltariam contra mim de um modo assustador e inesperado e acho que essa noite eu senti diretamente no meu subconsciente.
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Entre a Luz e a Escuridão
HorrorPerdido em seus próprios pensamentos obscuros, um jovem adolescente, perto do final de seu ensino médio, começa a sofrer com visões de uma aparição que o assombra. Durante várias noites aquela coisa aparece para ele, seja em sonhos ou até mesmo na r...