[23/03/2021]
Sentada nas escadas da varanda de casa, Arizona tinha um cigarro entre os dedos e o celular na mão direita. A fina chuva que caía sobre a loira e toda Seattle trazia ainda mais melancolia ao momento que, a todo tempo, tentou evitar.
Durante o dia atolou sua agenda com cirurgias e quando quer dizer atolou, foi porque encheu mesmo. Na caída da noite ainda estava em pé, próximo às 23 horas recém havia ido para casa, o que esperava fazer junto de sua namorada Eliza que, por ironia do destino, foi bipada para uma emergência e não pôde (sem saber) distrair a loira.
FLASHBACK ON – há exatos 7
A falta de diálogo era algo que extremamente incômodo entre as duas pois sempre acarretava em brigas, a nova casa foi a esperança de um recomeço limpo e sem tantas discussões mas nem todas as caixas foram desempacotadas e elas já estavam argumentando outra vez.
Sentada na poltrona com os azuis marejados após escutar a explosão de raiva de Torres, a qual entendia completamente na circunstância em que a latina estava, encontrou o último fio de coragem para expressar seus sentimentos à esposa. Enquanto falava, Callie tinha os castanhos fixos nela, compreendendo que já sabia e gravando o final que a marcaria para sempre:
— Eu precisei desistir de algumas coisas, mas aprendi que não preciso de muito para ser feliz, nem mesmo preciso de duas pernas. Mas eu sei que preciso de você. Preciso de Sofia. Eu preciso de você. E estou com medo de que agora que aprendi isso eu tenha feito você desistir de mim.
FLASHBACK OFF
7 anos atrás Arizona declarava algo que que marcaria a latina para sempre. 5 anos atrás, Arizona deixava Callie e Sofia no aeroporto para que fossem morar em Nova York.
— O quão rápido a noite muda... - murmurou antes de puxar os compostos químicos do fumo para dentro de si.
Após o avião das duas partir pelos céus de Seattle, a loira foi para casa sentar na varanda dos fundos para chorar. Como sabia o que aconteceria naquele dia, April apareceu na residência e abraçou a amiga para que ela chorasse. Arizona chorou como nunca, chorou pelos erros cometidos, por ter sua filha longe, chorou pelo término e principalmente por ter perdido sua família. Estava desnorteada pois as únicas coisas que tinha agora era seu emprego e seus amigos. Só ela sabia a sorte por ter os amigos que tem, não saberia o que fazer sem April, Alex ou Amelia. Eram, agora mais do que nunca, seu porto seguro, prova disso era os braços da ruiva a rodeando.
Voltando ao presente, procurou o número em sua lista de contatos mas Robbins hesitou por um momento antes de clicar para ligar para a ex. Não queria que ela atendesse. Rezava para que ela não atendesse. Pelos seus cálculos deveria ser 02:36 da madrugada em NY já que em Seattle é 23:36 e, como a ortopedista nunca dormia com o celular sem ser no silencioso - além de nunca olhar a caixa postal -, isso deu o pingo de coragem que a faltava.
Ela esperou, esperou e esperou os longos "tuuu" da ligação passarem até ouvir a voz melodiosa a qual sentia tanta falta.
"Oi! É a doutora Callie Torres e, como está escutando esta mensagem, não vi sua ligação, portanto retorne outra vez pois não escuto os recados da caixa postal. Obrigada e até mais!"
A pediatria não conseguiu evitar de sorrir mesmo com o tabaco entre os dentes e mesmo que contra sua vontade.
Após longos segundos em silêncio, com as lágrimas se confundindo com a garoa em suas bochechas, deu início ao seu desabafo. De alguma forma sentia como se pudesse contar a ela o que sentia sem o medo de ser afastada ainda mais, por outro lado, sabia que ela nunca tomaria conhecimento disso.
[...]
Na manhã seguinte Calliope acordou seguindo toda sua rotina para levar Sofia a escola e, a posteriori, ir ao trabalho, porém havia tirado o dia de folga devido as horas extras acumuladas. Hoje Penny estaria trabalhando, portanto decidiu caminhar um pouco pelo Central Park e fazer compras, estando atoa por volta do meio dia.
Hora vai, hora vem, Torres mexia no celular completamente entediada por não haver nada interessante em suas redes sociais, com isso, decidiu matar tempo escutando - pela primeira vez em longos meses - sua caixa postal, principalmente depois de notar que uma endereçada de Seattle.
"Ei, Calliope, sou eu, Arizona."
A ortopedista franziu o cenho naturalmente ao escutar seu nome de nascimento sair dos lábios da ex depois de tanto tempo. Robbins nunca mais a chamou assim.
"Hoje fez cinco anos desde que você e Soso se mudaram..."
Como ela lembrava o dia exato? Esperar isso de Blake ok já que havia vindo por ela, mas de Arizona? De fato um tanto estranho. Você trouxe a filha dela, Torres, é óbvio que ela lembra - sua mente respondeu.
Um pequeno soluço foi dado do outro lado fazendo com que o coração de Callie apertasse. Ela sempre odiou ver a loira chorar, não importava qual era a situação, se estavam juntas ou não, nunca foi algo fácil, ainda mais nessa distância em que ela não poderia conforta-la. O tempo poderia passar, mas nunca deixaria de se preocupar.
"Não consigo esquecer do dia em que vocês partiram. Acho que te devia isso depois de te fazer tão mal. Queria que a Sof tivesse a infância agradável e estável que ela merece e sinto culpa por ter arruinado tudo isso. Independentemente estou feliz que você está feliz, mas imagino como estaríamos se tivesse ficado... Se você nos daria outra chance com o tempo, mas também sei que não mereço isso."
Torres podia sentir os castanhos marejados com a revelação, ainda mais pelo fato de que Arizona apenas disse isso pois achou que ela nunca ouviria e, se não fosse obra do destino, nunca teria escutado mesmo. Aliás, nunca saberia que ela continuava a fumar nos momentos difíceis se não fosse o barulho do isqueiro acompanhado do tom choroso na voz dela.
"Às vezes fico um pouco machucada demais, minha mente vai a lugares que não quero ir. Às vezes fico um pouco deprimida demais e não consigo me ver através do fogo e da fumaça. E você é como uma luz neon brilhando através de uma porta que não consigo manter fechada. Você é como uma pedra rolando, sempre construindo cidades sobre os corações que você partiu."
Um tanto chocada com as palavras, Torres sentiu o queixo tremer levemente. Arizona tinha uma namorada, todos sabiam disso, mas recém a latina entendeu o verdadeiro motivo das coisas serem tão "aceleradas" entre elas como Amelia havia revelado em uma ligação entre ambas, alguns meses atrás. Eliza era a zona de conforto de Robbins. Um abraço quando precisasse, um carinho nos dias tristes, uma concha maior nos dias frios. Nunca, de fato, um amor. Ela se questionou se ambas já haviam conversado sobre isso.
"Às vezes fico acordada a noite toda porque você nunca fala comigo em meus sonhos. Eu penso eventualmente que você está me abraçando e dançando ao som de um disco como uma cena de filme."
Automaticamente lembrou-se do primeiro encontro delas em que dançaram Beyoncé juntas, foi simplesmente um dos melhores encontros que já tiveram em todos esses anos. A nostalgia visível nos olhos castanhos transformou-se em preocupação assim que escutou o choro liberado do outro lado da linha.
"Na minha cabeça, eu fiz o meu melhor dizendo adeus. Eu não sinto sua falta mas eu penso em você e não sei porque. Eu sinto como se estivesse chapada. Como se ainda te amasse." Robbins suspirou e fungou. "Eu acho que ainda te amo."
Se Callie dissesse que não sentia o mesmo, estaria mentindo. Seu coração ainda batia feito louco pela loira, mas algumas coisas não são para ser. Ou melhor, não são para ser para sempre. Era tarde demais.
E Arizona entendeu isso na manhã seguinte, quando abriu sua caixa do correio e encontrou o convite para o casamento de Calliope Torres e Penny Blake, transformando em lágrimas as últimas gotas de esperança em seu coração.
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HIGH (one-shot calzona)
FanfictionCallie nunca escutava as mensagens da caixa postal, ou melhor, quase nunca.