15.

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Dessa vez, eu consegui manter meus olhos abertos. Pude ver todos os borrões nos quais os prédios, árvores, pedestres e carros tinham se transformado com a velocidade, contrastando com o cinza tempestuoso do céu. Pude aproveitar o vento revigorante de cada metro velozmente percorrido pela moto de Maya, que roncava alto como se tivesse vida própria e gostasse da adrenalina. Pude sorrir com a sensação gostosa de estar praticamente voando sem asas.

Diferente da ida, paramos em vários sinais vermelhos. E em nenhum deles, Maya sequer demonstrou se lembrar de que eu estava bem atrás dela, agarrada com firmeza às suas costelas. Mesmo sem poder olhar em seus olhos, eu soube que aquela era novamente a Maya de sempre. Ela tinha voltado a se trancar em seu casulo impenetrável, e eu sabia que eu talvez não voltasse a ver o que se escondia dentro dela. Porque eu não pretendia me deixar cair na tentação novamente. Eu não podia fazer isso com Addie, por mais difícil que fosse resistir à atração que Maya exercia sobre mim.

Não demoramos a chegar à minha casa. Assim que ela estacionou a moto, eu desci e entreguei seu capacete, que ela colocou no bagageiro sem nem me olhar. Eu a observei subir na moto outra vez, com sua expressão indecifrável, e finalmente tomei coragem de dizer alguma coisa.

- Hm, obriga...

Nem bem eu abri a boca, um ronco de motor ecoou e ela foi embora. Suspirei, sem nem me dar ao trabalho de terminar a palavra. Eu já devia saber desde o início que seria assim, Maya não era o tipo de mulher que se preocupava com os sentimentos dos outros. Pelo menos não a Maya que eu estava acostumada a ver.

Entrei em minha casa vazia e calmamente subi até meu quarto, sem saber direito o que fazer nem o que pensar. Eu já não me sentia tão culpada como da primeira vez, e algo me dizia que o motivo pra isso não era dos mais angelicais. Eu não tinha me esquecido de que aquilo era errado e muito menos tinha deixado de amar Addie, mas ficar com Maya era melhor do que praticamente tudo. Poucas vezes eu me lembrei de querer tanto alguma coisa como eu queria agora. Eu queria passar o tempo todo sentindo os arrepios que as mãos dela provocavam em meu corpo, me sentindo tão desejada apenas com um olhar, o olhar dela, sempre intenso em mim como se eu fosse sumir num piscar de olhos.

Me perguntei por um momento se Maya estaria arrependida por ter me levado até sua casa, ou pelo que fizemos. Me perguntei se ela já havia se cansado de mim, se já tinha realmente conseguido o que queria, como ela mesma disse uma vez, mas não consegui me convencer de que isso tenha sido a razão por trás de sua frieza. Se ela havia esperado e insistido por tanto tempo para finalmente me fazer ceder, ela já teria conseguido se entediar tão cedo? Talvez fosse algum motivo que eu não tivesse como descobrir, ou talvez fosse o mesmo sentimento que eu carregava comigo: culpa por Addie. Tudo bem, retiro o que disse, Maya não sentia remorso nem culpa por nada, isso estava mais do que claro.

Estava tão imersa em pensamentos que só voltei a prestar atenção no que estava fazendo quando um trovão ecoou pelo quarto, e eu me encontrei deitada em minha cama, encarando o teto. Coloquei uma mão dentro do bolso da calça e de lá tirei o bilhete que Addie havia me dado na escola. Fechei os olhos, apertando o papelzinho em meu peito, que pulsava de acordo com meu coração acelerado. Por menos culpada que eu me sentisse em relação a Addie, fato que continuava me fazendo sentir um monstro, eu ainda estava refletindo sobre tudo que tinha feito com Maya. E por mais que eu tentasse pensar em Addie durante o resto do dia, meus pensamentos voltavam a ser atraídos para a professora Bishop, como um disco irritantemente arranhado, ainda mais com o tempo chuvoso e cinzento, que só me fazia lembrar da comparação que Maya havia feito. Naquele dia, o tempo realmente poderia ser comparado ao meu estado emocional.

Toda vez que eu me pegava sem nada pra fazer, aqueles olhos profundamente azuis voltavam a me perturbar, e quando isso acontecia, eu recorria ao bilhete de Addie. Sua caligrafia esforçada para parecer legível não me fazia sorrir mais, e sim pensar em uma única coisa, que mesmo que eu não quisesse, fazia meu corpo se queixar involuntariamente: o fim de semana estava próximo, e se Addie cumprisse o que ameaçava fazer no bilhete, nós o passaríamos juntas. Talvez ela me levasse para viajar, talvez ficássemos em seu apartamento, talvez ela me surpreendesse com alguma outra alternativa. Mas não era isso que me agoniava.

My Biology (Marina)Onde histórias criam vida. Descubra agora