- Corta! – gritou uma mulher atraente, que segurava uma claquete nas mãos.
Pierre, de cabelo grisalho e olhos azuis penetrantes, surgiu detrás de uma das câmaras, com uma expressão desagradavelmente séria, mas atenta. Crystal deixou o set, vestida com um longo vestido branco que lhe conferia a delicada figura angelical que qualquer mulher de cabelo loiro e pele clara adquiriria com vestuário semelhante. Parecia ligeiramente importunada, concentrada num pensamento de ordem demasiado intimista para que alguém a questionasse ou a tentasse abordar. Pierre era o único que se dirigia na sua direção, de queixo levantado, o olhar concentrado nas formas esguias e sedutoras da pequena atriz que, absortamente, fumava um cigarro e se perdia na observação do estúdio, onde havia muito pouco silêncio e o movimento era desconcertante.
- Estamos a fazer um filme, Crystal.
- Bem sei disso – disse a rapariga, soprando o fumo para o lado oposto ao que ele se encontrava.
- Então, que raio estás ali dentro a fazer?
Ela fitou-o inexpressiva.
- A ser a Sally.
- Ouve, conheço-te há já algum tempo e sinto-me completamente à vontade para te dizer isto, aquilo não é o teu melhor enquanto profissional.
- Muito bem. Não é o melhor, mas estou a representar a Sally.
- Nem perto disso. O que se passa?
- Sempre a mesma coisa, Pierre, sempre a mesma coisa…
- Algo que esteja ao meu alcance auxiliar?
- Não creio.
- De que precisas?
- De poucas perguntas.
- Sabes que não posso fazer um filme nestas condições. Vou dizer ao resto da equipa para passarmos aos planos seguintes e filmarmos as cenas em que não entras primeiro, dou-te umas horas, vais recompor-te e depois filmamos as tuas partes. É insustentável estar a adiar isto para amanhã, porque não vamos fazer mais nada neste set, caso contrário mandava-te já para casa por hoje.
- Vamos filmar já tudo e depois vou-me embora.
- Não, não posso comprometer as filmagens de hoje e temos a cena do quarto para filmar, é um momento importante.
- Não sei o que poderei fazer nestas horas.
- Vai procurar a Sally, percebe-a e resolve-te. Tens algum tempo.
- Não compreendo esta história toda do tempo, fecho os olhos e vejo-me muito nova, sinto-me muito nova, mas quando os abro…
Pierre estudou-a em silêncio.
- Podemos utilizar isso.
- Como?
- Podemos utilizar isso que disseste. Não te esqueças dessa fala.
- Estou muito cansada.
- Dou-te quatro horas. Está aqui às quinze horas. Não te atrases, dou-te um voto de confiança.
- Não devias.
- Conheço-te demasiado bem, sei que não me irás falhar dessa forma.
- Nunca ninguém conhece demasiado bem alguém.
- Quinze horas!
Pierre afastou-se e, num gesto, reuniu toda a equipa essencial. Alguns momentos depois, os membros afastaram-se e espalharam a mensagem. Nenhum deles observou Crystal, a perturbadora de todo o funcionamento normal, enquanto saía. A caminho de casa, ela questionou-se se Pierre teria sequer indicado qual fora o verdadeiro motivo da alteração. Concluiu que, na realidade, não lhes interessava, nada verdadeiramente lhes interessava, nem mesmo a Pierre.
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O Pijama da Gata
Aktuelle LiteraturISBN: 9789892054896 O Pijama da Gata segue o encontro de Jonah e Crystal Philips num ambiente nostálgico da Jazz Age. Os dois conhecem-se em Paris, quando Jonah decide ver a peça Cat’s Pajamas, protagonizada pela magnífica atriz. De volta a Nova Ior...