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Espero que gostem.





A maioria dos adolescentes de dezessete anos que conheço sonharia em morar numa cidade estrangeira. Mas mudar dos Estados Unidos para Coreia do Sul depois da morte de meus pais foi qualquer coisa menos a realização de um sonho.

Foi mais um pesadelo.

Eu poderia ir para qualquer lugar, na verdade, e não faria a mínima diferença — eu estava cego para o mundo ao redor. Vivia no passado, me agarrando desesperado a cada migalha de minha vida anterior.

Uma vida que eu dava por garantida, achando que duraria para sempre.

Meus pais morreram em um acidente de carro dez dias após eu tirar minha carteira de motorista. Uma semana depois, no dia de Natal, meu irmão Seokjin decidiu que nós dois iríamos embora dos Estados Unidos para viver com os pais de meu pai, na Coreia. Eu ainda estava abalado demais para resistir.

Nós nos mudamos em janeiro. Ninguém exigia que a gente voltasse de imediato para a escola. Assim, passávamos os dias tentando levar a vida, cada uma a seu próprio modo desesperado. Meu irmão bloqueava a dor saindo freneticamente, todas as noites, com os amigos que fizera durante nossas visitas de verão.

Eu me transformei num farrapo agorafóbico.

Havia dias em que eu até conseguia sair do apartamento e chegar à rua. Mas de repente me via correndo de volta para a proteção de casa, fugindo do ar livre sufocante e da sensação de que o céu ia se fechar a minha volta. Em outros, ao despertar, eu mal tinha energia para ir até a mesa do café da manhã e depois voltar para a cama, onde ficava o resto do dia, mergulhado em sofrimento.

Por fim nossos avós decidiram que devíamos passar uns meses na casa de campo. “Para mudar de ares”, disse vovó o que me fez observar que não podia haver mudança de ares mais radical do que entre Nova York e Coreia.

Mas, como sempre, vovó estava certa. Passar a primavera no campo nos fez um bem tremendo. No fim de junho, ainda éramos sombras pálidas do que tínhamos sido, mas estávamos funcionais o suficiente para retornar a Coreia e à “vida real”.

Bom, se é que a vida poderia algum dia voltar a ser “real” de novo.

Pelo menos eu estava recomeçando num lugar que amava. Para mim, não existe lugar como Seul no mês de junho.

Mesmo tendo passado lá todos os verões desde que era bebê, nunca deixo de sentir o charme especial da cidade enquanto caminho por suas ruas nessa época. A luz é única.

Parecendo ter saído de um conto de fadas, como do toque de uma varinha mágica, o brilho faz a gente sentir que absolutamente qualquer coisa pode acontecer, a qualquer momento, e que nada vai nos surpreender.

Dessa vez, porém, era diferente. Seul era a mesma de sempre, mas eu tinha mudado. Nem a atmosfera efervescente e radiante da cidade conseguia penetrar a mortalha de escuridão que eu sentia colada a minha pele.

Passei o verão sozinho na maior parte do tempo, entrando logo numa rotina solitária: tomar café da manhã no apartamento de vovô e vovó, sombrio e cheio de antiguidades, e passar a manhã refugiada num daqueles pequenos cinemas que exibem filmes clássicos vinte e quatro horas por dia, ou em algum de meus museus favoritos.

Então voltar para casa, ler pelo resto do dia, jantar e ficar deitado na cama, olhando o teto, às vezes caindo num sono recheado de pesadelos.

Levantar. Repetir.

As únicas intromissões em minha solidão eram os e-mails dos amigos que tinha deixado para trás. Sempre começavam com

—"Como estão as coisas aí na Coreia?"

Morra por Mim Onde histórias criam vida. Descubra agora