ɪ ꜱᴡᴇᴀʀ ɪ'ʟʟ ɴᴇᴠᴇʀ ɢᴇᴛ ᴏᴠᴇʀ ʏᴏᴜ

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Eu achei aquela sua camisa surrada do Led Zepplin. Aquela que você sempre usava quando se sentia inspirado em pintar. Quando você tinha aquele ímpeto de criatividade e gritava "Hobi, vou pro ateliê", e assim saía saltitando pela casa até o cômodo mais sagrado na sua concepção.

Fazem exatos 8 meses desde que você se foi. Desde que toda minha vida virou de cabeça para baixo, e eu acho que agora eu acredito naqueles famosos ditados sobre destino e coincidências, porque veja bem, no aniversário da morte eu achei a camisa dobrada embaixo da pilha de roupas que eu não costumo arrumar, mas você já sabe disso né, sinto no fundo do meu coração que você sabe que eu deveria achar esse item tão antigo justamente no dia de hoje.

Eu nunca fui religioso, mas levando em consideração a situação de agora, acho que eu gostaria de ter algo em que acreditar. Venho tentado apenas acreditar em alguma coisa que não seja naquela maldita frase que o mundo inteiro tenta aceitar como verdade, "A vida é muito curta", porque sempre que eu penso no quanto isso se tornou a porra de um gatilho na minha vida eu sinto vontade de simplesmente apagar todo aquele dia da minha vida. Gostaria de nunca ter acordado naquele domingo nublado. Gostaria também de não ter ido a padaria comprar o pão bem quentinho porque eu sei que era o que você mais amava comer pela manhã, juntamente de ovos mexidos, bem amassadinhos e com uma xícara enorme de café bem forte e feito na hora. Fico pensando que eu jamais deveria ter parado no jornaleiro para saber a fofoca da vizinhança pelo funcionário que já havia virado nosso amigo, acho que era Jeon Jungkook o nome dele, mas não consigo me lembrar já que nunca mais fiz o mesmo trajeto. Nunca mais fui aquela padaria, nunca mais fui ao jornaleiro da rua, nunca mais tirei a minha bicicleta da garagem.

Nunca mais fiz exatamente nada do que eu fazia quando você estava vivo.

Parando pra analisar aquele domingo, é normal encontrar diversos sinais de que algo estava pra acontecer, ou isso é apenas uma forma que eu criei e não me sufocar com tanta dor. Ninguém pode me julgar por odiar o motorista daquela caminhonete azul marinho. Ninguém pode abrir a boca pra falar da minha dor. Eu simplesmente não suporto mais ouvir a mesma coisa de todos a minha volta, da minha familia, meus amigos, da sua família. Eu apenas quero viver essa dor, eu preciso dessa dor pra me sentir vivo. Preciso sentir algo que não seja saudade ou a gigantesca vontade de sumir do universo como uma pequena molécula que habita a terra.

Eu até que acho bonito quando Schopenhauer diz que a morte é a eterna musa da filosofia, mas nesse momento eu preciso colocar toda a minha profissão como professor de filosofia no lixo, porque tudo que eu acho da morte agora é que ela é uma grande de uma filha da puta. Se me permite dizer eu ainda acredito fielmente quando o mesmo disse que o conhecimento do ser humano sobre a existência e a percepção de que todos somos finitos é o que nos torna extremamente sensíveis à morte, ou seja, saber que tudo um dia vai acabar é o motivo do nosso eterno medo da maldita morte. Assim como ele diz em um trecho de seu livro, A metafísica da morte:

"O animal vive sem conhecimento verdadeiro da morte: por isso o indivíduo animal goza imediatamente de todo caráter imperecível da espécie, na medida em que só se conhece como infinito da espécie, na medida em que só se conhece como infinito. Com a razão apareceu, necessariamente entre os homens, a certeza assustadora da morte"

Lindo, né?

Não.

E eu percebo isso hoje quando vejo o quanto eu sempre achei que as coisas fossem infinitas. Sempre vivi ao lado dele como se nunca fosse acabar um dia. Vivi dessa maneira por exatos 3 anos e 4 meses, foram exatamente 1516 dias vivendo como se fossemos infinitos, e em apenas dez segundos tudo acabou. Taehyung se tornou a certeza absoluta da morte.

Quem diria que uma maldita camiseta surrada do Zeppelin estaria me fazendo sentir a mesma raiva que senti no dia em que tudo se esvaiu como poeira no ar.

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