point of view- emma stein.
ao longo dos anos, muitos psiquiatras me fizeram perguntas desconfortáveis, mas definitivamente, a pior de todas, era
"como você se sente quando se corta?"
todos os terapeutas, familiares e amigos me perguntavam isso, e eu odiava profundamente. sempre dizia que me trazia alívio. achava que era o que eles queriam escutar, mas a verdade é que nunca me trouxe alívio, nunca preencheu um vazio; simplesmente não sabia viver sem. virou um hábito, eu não chorava ou me sentia aliviada, me cortar talvez fosse terapêutico? como se fosse meu tempo sozinha apenas para mim? não sei. Algo em tornar a minha dor emocional em física me trazia um sentimento de conforto, como se estivesse dentro de uma bolha assistindo o mundo, e eu estivesse longe, apenas observando. Acho que tentei inventar milhares palavras para responder a pergunta, mas nenhum dicionário teria a resposta, nenhum nome em bula de remédios teria resposta, nenhum doutorado teria resposta. eu simplesmente fui montada errada. eu era quebrada, e sentia que nenhuma cola do mundo me repararia. Um sopro de vento iria me despedaçar inteira.
meus pensamentos flutuaram para longe quando a médica a minha frente tocou com suas mãos geladas minha espinha nervosa. mesmo olhando para parede tentando ignorar-la, conseguia sentir seu olhar de reprovação.
"você perdeu 5 quilos desde que veio aqui da última vez." disse Dra. Jones. "seu cabelo está caindo e suas olheiras estão imensas. quer realmente que eu acredite que você simplesmente perdeu esse peso apenas correndo? você já inventou melhores, emma."
porra, caralho, merda. milhares de palavrões percorram pela minha mente. queria abrir minha boca e dizer alguma coisa, mas parecia que um gato tinha comido minha língua. só conseguia olhar pra ela com uma cara de mosca, esperando que a consulta acabasse logo. não viria no consultório se meu pai não me fizesse vir aqui todos os meses. Não, não importa que eu já estou na faculdade e tenho 21 anos, meu pai ainda manda em mim, e vai mandar "até não pagar mais minhas contas." odiava esse argumento idiota que ele usava em todas as discussões.
"doutora, eu estou bem. Sério mesmo." disse com vontade de gritar -estou bem é o caralho- mas se fazer consultas mensais com nutricionistas e psiquiatras era o que me salvava de voltar para aquele inferno, eu iria. "eu tive recaídas, não fui perfeita, mas prometo que irei melhorar." menti.
"você tem tomado seus antidepressivos?" perguntou.
"sim." dessa vez falei a verdade. por mais que eles não me ajudassem mais. nos últimos meses parecia que tomar eles era tomar água; não faziam diferença alguma, continuava depressiva.
"posso ver seus pulsos?"
nessa hora sabia que tinha me fodido. Só havia um corte o longo, mas sabia que ela faria um grande drama da situação. se falasse que não, ela saberia que havia algo errado, se falasse que sim, ela também saberia que havia algo errado.
então apenas encarei ela, sem saber o que falar; o que nos seus olhos foi um sim, aparentemente.
a doutora levantou meu braço e viu minhas cicatrizes de cortes passados e cortes que ainda estavam cicatrizando, fui burra de não ter passado corretivo.
"faz quanto tempo desde que você voltou a fazer isso?"
"alguns meses. mas estou bem, é sério."
"você sabe que não tenho mais opções emma, você precisa de ajuda."
"eu estou bem."
"não está, não."
"estou sim."
"então por que seus braços estão feridos e perdeu 5 quilos desde a última vez que te vi? não tem nada de errado em pedir ajuda, emma."
realmente não tinha forças pra dizer nada, então apenas olhei com meu de olhar -por favor, não faça isso-
"você precisa voltar. qual foi a última vez que você comeu?" tentei lembrar...devia ser 1 dia.
levantei da maca imediatamente. "não vou voltar. e você não pode falar para meu pai."
"realmente, não posso, sigilo médico é lei, mas espero que você fale emma. você não vê que todos nós só queremos te ajudar? que só queremos seu melhor? por favor, fale com Edward."
andei reto, sem fazer contato visual com a doutora e peguei minhas roupas ao lado.
idiota. médica idiota.
fiquei com raiva de mim mesma. tirei o avental de hospital do meu corpo e coloquei minha calça jeans e moletom.
"obrigado pela consulta" disse saindo com o passo apressado. "irei considerar." falei sabendo que não iria considerar.
ser doente me ensinou a ser uma ótima mentirosa. além de me fazer aprender a ter uma ótima resistência ao clima, por causa dos cortes tive que no verão e por que não gostava de mostrar meu corpo na praia. Foi horrível suportar o calor, mas parece que hoje em dia não consigo sair de casa sem um casaco.
corri pelas escadas até a garagem, esperando perder algumas calorias, e com muito esforço cheguei ao meu carro.
Pronto, agora eu estava sozinha.
então deixei as lágrimas caírem. Me senti estúpida, odiava chorar, odiava mesmo, mas por algum motivo parecia que era a única coisa que sabia fazer.
Abri o porta luvas e peguei a pequena lâmina no meio dos CD's da Ariana Grande que comprara quando mais nova. Abaixei minhas calças, e pensei que se a médica tivesse analisado meu corpo inteiro não teria me deixado sair do consultório. Minha coxa inteira era cortada e com cicatrizes; na verdade várias partes do meu corpo eram.
as pessoas geralmente acham que se cortar e ser depressivo é igual ser effy em um episódio de skins, acham que você se corta depois do seu namorado terminar com você ou porque está se sentindo triste. as pessoas não entendem a realidade de quem tem depressão, como de fato é ter uma inimiga que te assombra quando levanta para fazer xixi ou tentar ir para padaria, te garanto que não é acordar com um delineado borrado e um cigarro entre os dedos e cabelo cacheado perfeito.
fiz um corte preciso, forte e rápido, de uma forma que podia assistir minha pele abrir por uns segundos e ver o sangue escorrer.
Peguei os gazes e o antisséptico, porque quando essa porra infecciona é uma ardência e coceira infernal e era a última coisa que queria. Me limpei, e fui para casa.☁︎︎
meu apartamento estava uma bagunça. todos os meus livros da faculdade estavam jogados em cima do sofá, pois mais cedo, tentara arrumar minha estante, o que não deu certo pois estava fraca demais.
Odiava que meu lar estava nojento daquele jeito mas ao mesmo tempo, não tinha forças para limpa-lo, então fingi não me incomodar com a bagunça.
entrei no meu quarto, e deitei de barriga pra baixo na cama, como se pudesse me afogar nos lençóis.
o cheiro.. o cheiro de lavanda me lembrava de dois anos antes de toda essa merda acontecer.
eu costumava a ser feliz, eu era radiante. meus uniformes eram limpos e cheirosos. lembro dos meninos da escola me amarem e ter milhares de amigas. de fugir de casa escondida do meu pai com garrafas de bebida escondidas na minha bolsa, e maconha no meu sutiã. lembro de transar em lugares públicos, ir em shows, cantar karaokê em restaurantes com minha ex melhor amiga. até cheguei a ter uma melhor amiga, a Ana, mas quando fizemos 18 anos, ela saiu do país junto com a família por uma oportunidade de salário.
eu fui uma adolescente feliz. realmente fui. eu não tinha desenvolvido depressão e problemas com auto-mutilação quando mais nova, mas sempre lidei com distúrbios alimentares. Na época, meu pai me colocou em uma clínica psiquiátrica, e foram os piores 2 meses da minha vida. lembro de ter que fazer terapia com outros que não tinham nada a ver comigo, falta de atenção médica, surtos e pessoas sendo amarradas. Saí de lá quase feliz por ter me livrado da terapia em grupo. inventei pros meus amigos que tinha viajado para europa com meu pai, para parecer mais interessante. Na época, eu conseguia ser feliz mesmo com anorexia, eu conseguia ser feliz, mesmo lidando com a doença. Hoje não tinha mais essa habilidade.
Tentava entender o que no caminho de ser uma adulta me fez tão doente...
era genética de minha família ter depressão. perdi minha mãe para suicídio com 4 anos. mal lembrava dela, só do seu cabelo loiro, igual ao meu, batendo no meu rosto enquanto deitávamos na praia. essa é minha primeira memória, e a minha melhor. Pena que a mesma mulher loira me deu uma linda genética que tinha histórico de depressão. As vezes, em meio de crises de ansiedade, culpava minha mãe, por ter esse DNA, por ter se matado e me deixado sozinha, mas não é culpa dela, se eu pudesse, também me mataria. Acho que só precisava de alguém para justificar a dor, justificar porque eu nasci tão fodida.
"você é extraordinária, amor meu." ela disse enquanto assistíamos as ondas do oceano formarem.
Levantei e tirei minhas roupas pra entrar no banho, e cometi o erro de me olhar pro espelho.
crua, estúpida, nojenta e repugnante.
minha coxa ainda sangrava, e chegou a manchar minha calça.
esperei a água esquentar e no chuveiro.
as feridas arderam fortemente. fechei meus olhos com força e respirei fundo. estava tonta, fraca, perdi um pouco de sangue, e não havia comido a horas.
Coloquei as roupas mais largas e confortáveis do meu armário, e fui para sozinha tomar uma água.
nos últimos meses parei de sentir fome, não era algo intencional, não queria parar de comer, mas quando colocava qualquer comida na minha boca, tinha vontade de vomitar. qualquer comida que eu tentasse colocar na minha boca, eu deixava o garfo deslizar da minha mão. não controlava, só não conseguia realmente comer.
abri minha geladeira, e peguei um pote como m melancia depois de discutir comigo mesma por vários minutos.
eu amava melancia, encarei os pedaços de fruta por 10 minutos, e depois mexi um pouco nela. lembrei automaticamente do meu pai gritando no meu ouvido
"não se brinca com comida."
então, peguei um dos pedaços e coloquei na minha boca.
eu tentei mastigar mas a fruta parecia ter a textura de uma pedra. como se fosse impossível de meus dentes as triturarem, senti meu coração acelerar, e minha respiração parar. minha visão ficou embasada, meus olhos começaram a lacrimejar.
Me assistia tentando colocar um pedaço de melancia na boca e me senti patética.
Antes que eu conseguisse me controlar simplesmente cuspi o pedaço de fruta na mesa e me afundei em lágrimas.
nojenta, nojenta, nojenta.
repetia pra mim mesma. Não restava nada no meu corpo além de cortes feios e ossos a mostra.
Ninguém vai querer uma menina com ossos a mostra e com cortes feios. Ninguém.
Acho que o custo de estar viva é aceitar que sempre serei suja.
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O Custo De Viver
Romance"me beije. me beije, emma stein. até minha mandíbula machucar, até nossas línguas cansarem de dançar, até nossos corpos suarem e grudarem, e eu estar dentro de você. Me beije até que eu esqueça de todos os outros gostos que eu já provei, me beije pa...