As Peças

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"Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz"

O meu amor, Chico Buarque

JOÃO

A plateia silencia, as cortinas se abrem e então vejo no centro do palco a minha presa: Amora Guedes.

Sou praticamente um especialista neste tema, estudei a menina nos últimos meses com o mesmo afinco que usei para passar em cada uma das provas que fiz durante a universidade.

A madeira escura do chão do palco reluz as velas do suntuoso lustre de cristal no alto, a sapatilha de bailarina, o tutu, porém em seu corpete possui um pequeno coração bordado brilhando com luz de led ao redor demarcando-o, o coque baixo e no alto da cabeça uma singela coroa de flores, tudo branco, puro.

A forma como dobra as mãos, a preocupação com a pose inicial, sua delicadeza é nítida, a classe, e eu não poderia esperar menos, afinal, ela é uma bailarina premiada, acostumada não só a competir, como a ganhar.

O que me causa espanto é que o combinado seria tê-la na Europa até o ano que vem, mas ainda não sabemos o que motivou o seu regresso precoce, sabemos que é algo familiar afinal, desde que chegou ao Rio de Janeiro seus pais andam mais reclusos, e a prendendo também, mas hoje pretendo ter um encontro a sós com a minha enfadonha e insossa futura esposa.

Olho por olho, dente por dente, e já que eu não poderia seguir a lei da retaliação, eu quero que o assassino dos meus pais sofra tanto quanto eles sofreram, quero que a filha dele tenha em seu coração a mesma dor que eu possuo no meu, eu preciso feri-la, para que isso diminua a minha dor.

Quero marcá-la por toda a vida, assim como o seu pai me marcou por toda a minha quando matou os meus pais. Lei de talião é o conjunto de leis mais antigo da humanidade, baby.

Os primeiros e inconfundíveis acordes de "I Have Nothing" ressoam, o que me causa espanto, afinal, imaginei que seria uma apresentação de balé clássico, e geralmente são músicas instrumentais chatas pra caralho, e pessoas fazendo passos sem nenhum sentido apenas para mostrar que sabem ficar na ponta do pé, não é acerca disso que gira o balé?!

Vejo dona Amélia cochichar com o meu chefe, ambos sentados à minha frente, reparo que a mãe da bailarina tem os lábios torcidos em nítido desgosto, semicerro os olhos tentando decifrar o motivo da sua irritação, o marido dá dois tapinhas em sua coxa tentando dar conforto, a velha raposa está observando a filha, ele tenta desfrouxar o nó da gravata parece tão incomodado quanto a sua mulher.

— Perdoem-me, esse número deve se tratar de alguma estripulia da minha filha. — Rodolfo Guedes diz, e troco um olhar profundo com o meu irmão, que não está dando a mínima para a apresentação, ele só veio atendendo um pedido da raposa velha, Jonas apenas volta a dar atenção ao seu celular.

Amora rouba a minha atenção, conforme as primeiras batidas da música tocam, ela tenta dançar juntamente com o bailarino que também usa o traje inteiro branco como o dela, mas sem leds.

No entanto, o que me chama a atenção na coreografia é que o homem não a quer, vira-lhe as costas, e ela tenta segurá-lo tocando em sua coluna, entretanto quando ele vira de volta encarando-a de forma ensaiada ele a expulsa em um jogo de dança com os braços em uma postura tempestuosa, a sacoleja e a joga de joelhos ao chão tudo no ritmo acelerado e exato das batidas da canção.

Ele sai caminhando do palco pelo lado esquerdo e os holofotes vão para cima de Amora e todos encaramos a bailarina de cabeça baixa no centro do palco no exato momento em que a voz de Whitney Houston ecoa no ambiente.

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