Acerto de contas

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Já era minha décima sexta dose, na verdade não, devia ser mais, não me recordo corretamente. Fito o copo pela metade sobre a madeira escura da mesa do bar, estava exausto. Olho de relance para o celular sobre a mesa, na esperança que tocasse. Tolice minha. Se desde que sai de casa ele não tocou, por que isso iria mudar agora? O pego e desbloqueio a tela. Nenhuma notificação...

Me pergunto em que momento meus relacionamentos amorosos começaram a ficar tão conturbados.

À quase dois anos, terminei um casamento se longos sete anos, foi um divórcio bem pacífico, tanto eu quanto ela, por mais que nos amassemos, achamos que seria a melhor opção. Ainda hoje nos falamos bastante, até porque tivemos uma filha juntos, não quero que ela cresça sem uma figura paterna decente, mantenho uma relação de amizade muito forte com ela por esse motivo, nos falamos com frequência, mas todo o assunto envolvia a menor.

Ela foi uma pessoa que me fez muito bem durante todos esses anos, mesmo que tivéssemos brigas de vez enquando, mas nada fora do comum em um relacionamento.

Depois disso veio o meu mais recente relacionamento. Dessa vez com alguém do mesmo sexo. No começo era as mil maravilhas, mas depois o ciúmes exagerado, o jeito controlador e possessivo do meu atual companheiro, fez com que a nossa relação fosse ladeira abaixo rapidamente. Mesmo que nos conhecêssemos desde pequenos e entendendo muito bem os defeitos e qualidades um do outro, ele ainda parecia não confiar totalmente em mim e isso me incomodava, e incomoda, muito.

Nossa relação passou a ser regada por discussões por absolutamente tudo, ciúmes de todos a minha volta e uma incessante insistência de uma possível traição da minha parte. Tentei fazer de tudo para melhorar a nossa convivência, mas falhei miserávelmente.

Suas desconfianças pioraram ao se aventurar pelos meus esboços, quadros, esculturas e estudos antigos e um tanto atuais. Nossa mais recente briga foi por causa deles. O que mais o incomodou ao ver os malditos desenhos, era a figura retratada em meus estudos e esboços de anatomia, nos quais a pessoa usada como inspiração era vista de diversos ângulos, pessoa na qual eu conhecia muito bem as proporções, cada curvar, cada mínimo detalhe...

Sempre fui apaixonado pelo erotismo e deixava isso bem claro em minhas obras.

Lembra da minha ex- esposa? Então, ela era minha musa, sempre foi e continuará sendo. Na minha visão, todas a suas medidas eram perfeitas, aos meus olhos era uma verdadeira divindade e era assim que eu a retratava da maneira mais sensual possível.

Quando ainda éramos casados, ela costumava posar para mim durante horas, era uma ótima experiência. Marcar em telas e folhas toda a sua beleza era o mínimo que eu poderia fazer, além de ama-la, é claro. Mostrar toda sua importância para mim através de míseros desenhos, era pouco, mas ainda sim era uma "prova" física de toda a minha admiração.

Madara insistiu em dizer que eu não precisava ficar guardando "pornografia" da minha ex em casa. Achei que ele me entenderia, mas foi bem ao contrário.

Em nenhum momento eu quis que minha arte fosse tratada como pornografia, corpos são fascinantes! Não merecem ser banalizados dessa forma, sensualidade faz parte do ser humano, eu apenas a retrato da forma mais crua possível.

Me disse que era falta de caráter meu continuar com esses "rabiscos eróticos" em casa. Não é como se eu olhasse para eles todos os dias ou até mesmo ficasse excitado ao olha-los, mas não me livraria de trabalhos tão belos.

Já pintei diversos corpos femininos, mas nenhum se equivalia ao dela. Demorei tanto tempo para achar uma musa, a minha Afrodite, não irei me livrar disso por surtos de meu companheiro.

Ele se incomodou tanto que ameaçou por fim nelas, disse que só comprovavam que eu não superei ela. O que é mentira, afinal, se eu ainda a desejasse não teria tomado a iniciativa e proposto o divórcio, não é?

𝐑𝐎𝐒𝐄𝐒 - 𝑴𝒂𝒅𝒂𝑯𝒂𝒔𝒉𝒊Onde histórias criam vida. Descubra agora