Capítulo 4

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SAM-32° C

O dia em que quase falei com Grace foi dia mais quente da minha vida. Mesmo na livraria, que tinha ar-condicionado, o calor sei pela porta e entrava em endas pelas grandes janelas. Atrás do balcão, sobre o banco ensolarado, eu sentia o verão relaxado, como se pudesse manner cada gota dele dentro de mim. Com o lento passar das horas, a luz do sol da tarde descorava todos os produtos nas prateleiras, criando pálidas e douradas versões dos livros, aquecendo papel e tinta dentro das capas a ponto de fazer pairar no ar o cheiro de palavras não lidas.

Era isso o que eu amava, quando era humano.
Eu estava lendo quando a porta se abre, deixando entrar um sufocante jato de calor e um grupo de garotas. Elas riam alto demais para precisarem da minha ajuda, então continuei a ler e deixei-as zanzando por ali, falando de tudo menos livros.

Não acredito que teria prestado mais atenção às garotas se não tivesse percebido, com o canto dos olhos, uma delas sacudir o cabelo leiro-escuro e torce-lo num longa rabo de cavalo. O gato em um insiglicante, mas e movimento lançou no ar um perfume Reconheci aquele cheiro. Soube na mesma hora

Era ela. Tinha que ser.

Passei o livro para mais perto do rosto e arrisquei um olhar na direção das garotas. As outras duas ainda estão falando e apontando
para um passarinho de papel que eu tinha pendurado no teto acima da seção de livros infantis. Ela, porém, não falava; tinha ficado para trás, olhar sobre os livros à sua volta. Então, vi seu rosto e reconheci alguma coisa naquela expressão. Seus olhos se moviam depressa pelas prateleiras, buscando possibilidades de fuga.

Na minha cabeça, eu tinha planejado mil versões diferentes daquela cena. Agora que o momento chegara, eu não sabia o que fazer.

Ali ela era tão real. Era diferente quando estava no quintal, só lendo um livro ou fazendo o dever de casa num caderno. Lá, a distância entre nós era um vazio impossível: eu podia sentir todas as razões para ficar longe. Mas ali, na livraria, comigo, ela parecia terrivelmente perto, como nunca antes. Não havia nada que me impedisse de falar com ela. Seu olhar se voltou na minha direção e eu desviei o meu, depressa. para o livro. Ela não reconheceria meu rosto, mas reconheceria meus olhos. Eu precisava acreditar ela reconheceria meus olhos. que Rezei para que ela saisse, para que eu pudesse respirar de novo.

Rezei para que comprasse um livro, para que eu fosse obrigado a falar com ela.

Uma das garotas chamou:
-Grace, venha aqui dar uma olhada nisso.
"Chegando Lá:
entrando na faculdade dos seus sonhos."
Parece bom, o que acha?

Respirei devagar e olhei para suas longas costas cheias de sol enquanto ela se inclinava e examinava, com as outras, os livros preparatórios para entrar em uma universidade. Um movimento de seus ombros pareceu indicar apenas um interesse educado; ela concordava com a cabeça quando as amigas apontavam outros livros, mas parecia distraida. Observei o caminho que a luz do sol fazia desde as janelas, pegando um por um os fios do seu rabo de cavalo e transformando cada um deles num cintilante cordão dourado. Sua cabeça se movia quase imperceptivelmente para a frente e para trás no ritmo da música de fundo.

-Oi.

Dei um pulo para trás quando um rosto surgiu na minha frente. Não era Grace. Era uma das outras garotas, de cabelo escuro e bronzeada. Trazia pendurada no ombro uma enorme máquina fotográfica e olhava bem dentro dos meus olhos. Não disse nada, mas eu sabia o que estava pensando. As reações à cor dos meus olhos iam de olhar delas delas furtivas a olhares absolutamente fixos: pelo menos ela estava sendo honesta.

-Se importa se eu tirar uma foto sua?perguntou.

Procurei uma desculpa.

-Alguns povos nativos acham que, se você tirar uma foto, está roubando sua alma. Para mim, é um argumento que faz todo sentido, portanto me desculpe, nada de fotos.- Dei de ombros, me desculpando.

-Você pode tirar fotos da loja, se quiser.

A terceira garota empurrou a da máquina: cabelo castanho-claro volumoso, e milhares de sardas. Irradiava tanta energia que me deixou exausto.

-Paquerando, Olivia! Não temos tempo para isso. Aqui, vartos levar este.

Peguei o "Chegando la" das mãos dela, evitando olhar em volta em busca de Grace.

-São 19 dólares e 99 centavos-falei.

Meu coração disparava.

-Por uma brochura?-observou a garota sandenta, mas me deu uma nota de 20.-Fique com o troco.

Não tinhamos um pote para moedas extras, mas deisei-o no bal cão perto da registradora. Botei devagar o livro e a notinha numa sacola, pensando que Grace poderia se aproximar para ver por que demorava tanto.

Mas ela continuava na seção de biografias, a cabeça inclinada para o lado enquanto lia as lombadas. A garota sardenta pegou a sacola e, com um sorriso desagradivel, virou-se para mim e Olivia. Depois as duas foram até Grace e a levaram em direção à porta.

𝑉𝑖𝑟𝑒-𝑠𝑒, 𝐺𝑟𝑎𝑐𝑒. 𝑂𝑙ℎ𝑒 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑚𝑖𝑚, 𝑒𝑠𝑡𝑜𝑢 𝑏𝑒𝑚 𝑎𝑞𝑢𝑖. Se ela se virasse agora, veria meus olhos, e teria que me reconhecer.

A menina sardenta abriu a porta-plim-e emitiu um som impaciente para o resto do bando: hora de ir em frente. Olivia se virou rapidamente, e seu olhar me encontrou outra vez atrás do balcão. Eu sabia que estava com os olhos fixos nela -em Grace-, mas não conseguia parar.

Olivia fechou a cara e saiu depressa da loja.

-Grace, vamos logo.- disse sargenta.

Meu peito dola, pois meu corpo falava uma lingua que minha cabeça não entendia direito.

Esperei.

Mas Grace, a única pessoa no mundo que eu queria que me visse só passou um dedo interessado sobre a capa dura de um dos lançamentos e saiu da loja sem ao menos perceber que eu estava ali, bem ao seu alcance.

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