Outro Cemitério Por Trás do Muro

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                                                              Outro cemitério por trás do muro    

O frio começava a se derramar das distantes terras do sul, onde as afiadas montanhas brancas disputavam o céu com as nuvens e os campos só serviam de banquete aos rebanhos de bisões. Os nômades desarmavam suas tendas e redes para abandonar as terras que outrora foram fecundas e mornas como as manhãs. Era o Falso Inverno que chegava a Cidaȧria e devido ao vasto território do país, havia muito tempo que a notícia corria das bocas aos ouvidos das pessoas, mas Cidaȧria foi um dos últimos lugares a sentir as baixas temperaturas. Das quatro estações de Primária, o Falso Inverno era a menos esperada. Era chamada assim porque no outono a maioria das árvores soltava suas folhas ao vento, porém o inverno não trazia consigo nenhum floco de neve. Tudo se tornava cinza e marrom, exceto o topo das montanhas do Usder e Variör. Se não fosse pelas cores de suas construções, Cidaȧria se pareceria com um cinzeiro velho, pois não havia neve para distrair as crianças, parte das atividades comerciais era suspensa e poucos eram aqueles que arriscavam pegar um resfriado andando pelas ruas. Durante as madrugadas a cidade parava por completo, pois nem os pássaros da noite aguentavam o frio. Poucos guardas faziam a segurança. Os galos não cantavam nas madrugadas, por conta de que a alvorada custava a acontecer e quase sempre vinha coberta de pesadas nuvens escuras que prolongavam a noite.

 Tudo isso facilitou a entrada de Balaȧn Yrdugȧn e seus subordinados às terras cidaarenses.  Com toda a cautela eles andavam pelas ruas mais escuras, apadrinhados pelas sombras. O mais provável era que eles conseguiram se aproximar da cidade pelo leste, atravessando o rio, cruzando as fazendas adormecidas pela estação e finalmente chegando à área mais urbana. Se tivessem vindo da entrada norte seriam facilmente interceptados pelo Esquadrão. Balaȧn, aquecido por roupas de couro e um elegante casaco de pele, guiava o grupo de invasores. Seu semblante não apresentava nenhuma satisfação e ele segurava o punho de sua espada com muita atenção, preparado para desembainhar a lâmina ao menor movimento hostil que percebesse. Atrás dele uma figura esguia e encapuzada caminhava a passos largos e delicados, como se não tocasse o chão. Por último, dois homens mais trôpegos que papagaios carregavam um cesto no qual, a cada instante, alguma coisa se mexia.

 - Esse troço vai ficar pulando o tempo todo? – indagou o primeiro homem, que levava a caixa pela frente.

 - Silêncio, Malebouge! – a voz por baixo do capuz esguio estava irritada. Era uma mulher que falava – Quer que eu arranque sua língua fora?

 A voz era sisuda, mas não deixava de ser feminina.  

Mesmo com toda aquela penumbra era possível ver a roupa grosseira que os carregadores usavam. Um deles usava um casaco de pele, que nos ombros duas cabeças de lobo estavam penduradas, enquanto que o outro estava largo de tantos panos que trazia enrolados ao corpo.

 Assim que conseguiram cruzar o centro da cidade a temperatura caiu sensivelmente, porque não havia mais construções para abrigá-los das correntes de ar e a neblina estava tão intensa que das árvores que margeavam o caminho, apenas as copas eram visíveis. Se houvesse algum guarda por ali eles facilmente conseguiriam despistá-lo, porque não se podia ver nada a mais de meio metro de distância do nariz.  

- Parem todos! – ordenou Balaȧn. – Tem alguém vindo.  

Duas luzes amarelas brilhavam na bruma e iam ao encontro dos invasores. Cada uma ocupava uma margem da estrada, de modo que se pareciam com os olhos assustados. Alguns minutos demoraram a passar antes que as vozes de dois guardas fossem ouvidas. Os carregadores estavam apreensivos com o cesto, e principalmente com o que estava dentro dele, pois a qualquer momento poderia pular novamente e fazer muito barulho. As luzes se aproximaram lentamente até Balaȧn e seus servos ficarem exatamente entre as duas. Todos prenderam a respiração e os carregadores até fecharam os olhos com toda força que podiam. Nesse infeliz momento a coisa dentro do cesto deu um pinote e uma pancada abafada chamou a atenção dos guardas.

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