capitulo 1

445 20 1
                                    


Hermione Delgado pressionou a mão tremula contra o ventre, respirou fundo e ergueu-se devagar. Fechou os olhos e apoiou-se no biombo do boxe do sanitário público. Esperava que fosse apenas um enjôo matinal. Porém, as náuseas vinham se intensificando desde o instante em que a lâmina de teste tornara-se azul.
Não importava. Estava disposta a passar por tudo o que fosse necessário para chegar ao final daquela gravidez com sucesso.
Comprimiu o lábio inferior, respirou fundo e tentou se acalmar. Aquela era a última esperança de poder ter um filho... de ter uma criança nos braços e amá-la pelo resto da vida. Não podia dispor de outra viagem ao banco de sêmen. Não apenas por questões financeiras, como também emocionais.
Quando o estômago por fim se acalmou, abriu a porta e caminhou em direção às pias. O ruído dos saltos do sapato golpeando o piso ladrilhado ecoou pelo ambiente vazio, fazendo-a sentir-se muito só.
Com os olhos marejados, mirou sua imagem refletida no espelho. Já se acostumara a viver assim, contando apenas consigo mesma. Então por que se sentia tão solitária agora? Irritada, apanhou algumas toalhas de papel, colocou-as sob a torneira e em seguida umedeceu as faces coradas. Aquela instabilidade emocional devia-se às mudanças hormonais da gestação. Era a única explicação plausível. Caso contrário, Hermione Delgado jamais choraria.
Secou o pranto, colocou o casaco sobre o ombro e consultou o relógio. Apressada, pegou a bolsa a tiracolo, murmurou uma prece silenciosa para que seu estômago enjoado permanecesse tranquilo durante a próxima hora e adentrou o hall de recepção da suntuosa Potter Tower.
Seguiu rumo aos elevadores. Odiava atrasar-se para qualquer coisa. Considerava uma grosseria deixar as pessoas esperando.
Caminhando de um lado para o outro, aguardou, impaciente, pelo elevador. Mais uma demora num dia que começara com uma série de atrasos e frustrações.
Acordara aquela manhã e descobrira que, durante a noite, o antigo sistema de aquecimento de seu edifício deixara de lutar contra o rigoroso inverno de Chicago. Isso lhe tomou duas vezes mais tempo para se arrumar, porque não conseguia parar de tremer.
Em seguida foi a vez de o motor de seu carro não funcionar, forçando-a a caminhar seis quarteirões sob a gélida temperatura do mês de fevereiro para pegar um trem.
As portas de metal se abriram, e Hermione entrou rápido no elevador. Apertou o botão do décimo sétimo andar e, quando começou a subir, fechou os olhos lutando contra uma nova onda de náusea. Deveriam proibir elevadores expressos, pensou.
Quando as portas se abriram outra vez, saiu com as pernas bambas, pisando no luxuoso tapete do corredor. Depois do encontro com Harry Potter para combinar o interrogatório dos demais membros da família Potter, passaria o fim de semana tentando sentir-se de novo um ser humano.


Harry Potter bateu com a caneta-tinteiro sobre a superfície reluzente da escrivaninha de mogno. Consultou o relógio de pulso pela terceira vez nos últimos cinco minutos.
Olhou a paisagem pela janela e notou as primeiras sombras do precoce anoitecer refletidas sobre o lago Michigan. Odiava ter de esperar. Se a investigadora que estava investigando a tentativa de assassinato de seu irmão mais velho, Daniel, não aparecesse naquele minuto, daria o dia por encerrado.
Baby não gostava que ele chegasse tarde do trabalho. Na realidade, teria sorte se ela não tivesse destruído alguma coisa para sair atrás dele. Já fizera isso várias vezes.
O interfone no canto da mesa soou de repente, interrompendo-lhe as conjecturas.
— Sim, Fiona?
— A pessoa que aguardava, enfim, chegou, sr. Potter.
— Obrigado. Faça-a entrar. E se quiser, pode ir embora.
— Obrigada, sr. Potter. Eu o verei na segunda-feira. Tenha um ótimo fim de semana.
— Do mesmo modo, Fiona.
Segundos depois, uma bela jovem, com cabelos castanhos caindo sobre os ombros, entrou na sala. Harry não pôde se privar de fitá-la demoradamente. Então aquela era a famosa investigadora da Unidade Especial de Investigações do Departamento de Polícia de Chicago?
Deus do céu! Esperava uma senhora de meia-idade com jeito e atitudes masculinizadas. Em vez disso, eles lhe enviaram uma moça delicada, que deveria estar na casa dos vinte e poucos anos, com uma beleza de causar inveja a qualquer mortal. Agradeceu em silêncio ao pai por ter lhe passado a tarefa de intermediar entre a sua família e a polícia.
Ergueu-se e reparou se ela usava uma aliança no anular esquerdo. Não. "Obrigado, Pai Eterno!". Contornou a escrivaninha, abriu seu melhor sorriso e a cumprimentou.
— Sou Harry Potter, vice-presidente de relações públicas. E você é...
Hermione apertou-lhe a mão, mas sem sorrir.
— Investigadora Hermione Delgado. Desculpe-me pelo atraso, sr. Potter.
Ela não se justificou, e Harry não deu importância. Estava mais preocupado com as sensações que se agitavam dentro de seu corpo.
— Já que trabalharemos juntos, por favor, me trate por Harry, sra. Delgado. — E roçou o polegar sobre a pele sedosa da mão dela.
Hermione se afastou num gesto instintivo, e o olhar que lhe dirigiu indicava que não fora nem um pouco afetada por aquele sorriso devastador e aquele toque que ele julgava infalível.
— Podemos ir direto ao assunto, sr. Potter?
Aquele tratamento seco na certa fazia parte de seu ofício. Mas era raríssimo Harry encontrar uma mulher que resistisse a seu charme. Assim, tomou isso como um desafio pessoal.
Enquanto a investigadora continuava a fitá-lo, em expectativa, Harry notou algo que lhe escapara no momento em que ela entrara no escritório. Hermione Delgado parecia cansada. Muito cansada. Olheiras sob os olhos castanhos manchavam a pele pálida, e a voz soava arrastada. Talvez isso tivesse algo a ver com a atitude ríspida e a recusa em chamá-lo pelo primeiro nome.
Fosse qual fosse o motivo, algo naquele comportamento austero o impeliu a tentar melhorar o estado de espírito dela.
Conferiu o relógio. Era hora do jantar, e já estava atrasado. Daniel e sua esposa, Erin, encontravam-se bem protegidos em uma minúscula ilha na Altaria. Portanto, não havia nenhuma ameaça imediata ao irmão. Baby o trataria com desprezo de qualquer maneira. Na realidade, já devia estar destruindo a sala de estar inteira. Sendo assim, uma hora ou duas não faria muita diferença.
Além disso, Hermione parecia estar precisando distrair-se. Havia modo melhor do que passar a noite fora da cidade?
— Estava me preparando para encerrar o expediente. — Harry foi apanhar a jaqueta e o sobretudo de couro no outro canto. — Por que não vamos jantar e discutir os detalhes dos interrogatórios?
Hermione fez que não e, a julgar pela expressão daquele rosto adorável, não seria muito fácil demovê-la.
— Prefiro tratar esse assunto aqui mesmo, sr. Potter.
Harry não estava disposto a se dar por vencido.
— Ouça, saí sem tomar o café da manhã e trabalhei duro durante a hora do almoço. Por isso, estou faminto. E aposto que você também está.
O estômago dela escolheu justo aquele momento para se manifestar, emitindo um som que destruiu qualquer protesto que pudesse fazer. As faces ficaram quase roxas.
Harry achou graça. Não via uma mulher ruborizar daquele jeito fazia anos.
— Está resolvido. — Ele puxou o sobretudo e pousou a mão nas costas dela, acompanhando-a até a porta. — Discutiremos esse assunto durante a refeição.
Hermione não parecia animada, mas Harry interpretou isso como um sinal positivo, quando permitiu que a guiasse até os elevadores.
O trajeto rápido para o estacionamento no subsolo foi feito em silêncio, e ele desejou saber se estava perdendo seu irresistível charme.
— Eu a trarei de volta para apanhar seu carro — afirmou, assim que entraram na garagem.
— Meu automóvel não quis funcionar, esta manhã. Tive de vir de trem.
— Bem, não terá de voltar nele...
Fosse ela policial ou não, Harry não gostava da idéia de uma mulher viajar sozinha à noite em um trem. Não era seguro.
Antes que Hermione pudesse protestar, conduziu-a até o seu possante Jaguar preto e a fez acomodar-se.
— Gosta de comida italiana?
— Sim, adoro, mas não creio que seja uma...
— Excelente! Iremos a um restaurante italiano.
Quando ela o fitou, Harry teve a impressão de que sua fisionomia havia suavizado. Porém, logo mudou de opinião. As luzes fluorescentes, aliadas às sombras do estacionamento subterrâneo, produziam um brilho antinatural em tudo. Contornando o veículo, Harry caminhou em direção ao lado do motorista, abriu a porta e sentou-se ao volante.
— Conheço um ótimo restaurante, não muito longe daqui.
Hermione o encarou como se pretendesse protestar, mas, quando Harry ligou o motor, comprimiu os lábios, fechou os olhos e apoiou a cabeça para trás.
Dez minutos mais tarde, Harry a ajudou a tirar o casaco, enquanto ela se acomodava a uma mesa de dois lugares.
Retirando o sobretudo, Harry pendurou ambos os agasalhos em um gancho próximo. Em seguida sentou-se e fitou-a por cima da luz tremula de uma vela presa a uma garrafa de Chianti. Hermione o encarou, exausta.
— Por que não deixamos para discutir sobre o caso na segunda-feira pela manhã? Você parece prestes a desfalecer.
— Estou bem. — Ela tirou um bloco de anotações da bolsa. — Gostaria de eliminar as preliminares, assim poderei começar os interrogatórios na segunda-feira. Está a par do que preciso de você, sr. Potter?
Harry recostou-se no espaldar, cruzou os braços, tentando trazer a mente de volta aos objetivos, fora daquele enredo erótico que aquela inocente pergunta evocou.
Poderia enumerar centenas de coisas excitantes em que gostaria que Hermione Delgado precisasse dele. Porém, programar reuniões com sua família não estava entre elas.
Pigarreando, procurou se concentrar na tarefa para a qual o pai o designara. Tudo o que desejava era descobrir quem tentara matar seu irmão Daniel.
— Quando meu pai me chamou, disse que você queria interrogar o restante da família para ajudar na investigação.
Hermione meneou a cabeça num gesto afirmativo.
— Isso mesmo. Ele me falou que você se encarregaria de marcar o local e a hora.
Harry sorriu. Ser eficiente e antecipar-se às necessidades dos outros eram as razões pelas quais fora considerado um dos nomes mais respeitados na área de relações públicas da indústria têxtil.
— Já cuidei dessa etapa. Agendei para que tenha uma conversa reservada com cada um deles em uma sala de reuniões da Potter Tower, a partir de segunda-feira.
— Muito bom.
— Mas pode levar vários dias para conseguir reunir todos.
Apoiando os cotovelos no tampo, Harry segurou o queixo entre as mãos e observou-a. Adoraria tocar aqueles belos cabelos castanhos, correr a mão pela pele macia de seu rosto.
A luz fraca da vela iluminou a silhueta perfeita de Hermione, e Harry imaginou como seria tê-la em seus braços.
— Entendo que haverá essa demora. Gostaria também de interrogar alguns dos empregados da Potter. Eles podem me fornecer informações que ajudariam na investigação.
— Isso pode ser providenciado. Mais alguma coisa?
— Nada de que me lembre no momento. Evidente que precisarei interrogá-lo também. E não vejo motivos para não começarmos agora mesmo.
— Nada disso. Estou cansado, e aposto que você também. Além do mais, sou o primeiro na lista de seu interrogatório, na segunda-feira. — Harry sorriu. — Não vai querer bagunçar minha agenda antes mesmo de começarmos, vai?
— Duvido muito que tomar seu depoimento agora faça alguma diferença.
— Fará. — Ele tentou ficar sério. — Não poderíamos desfrutar nosso jantar, e eu poderia ter uma indigestão. Se isso acontecesse, passaria a noite acordado e não conseguiria fazer nada amanhã por estar exausto. Assim, no domingo seria obrigado a fazer o que não fiz no"sábado, e... – Harry fez um gesto melodramático. — Acho que percebeu como isso afetaria meus horários.
Ela o encarou durante vários segundos antes de colocar sua caneta sobre a mesa.
— Deixemos uma coisa bem clara, sr. Potter. Isto não é um encontro social.
Nesse instante, o garçom se aproximou, colocando diante deles uma cesta com baguetes italianas, tomates secos e azeitonas.
— Boa noite, sr. Potter. Gostaria de ver a carta de vinhos?
Harry dirigiu um olhar a Hermione.
— Para mim não, obrigada.
— Uma taça de vinho a ajudará a relaxar e aliviar o peso do dia. — E, dirigindo-se ao garçom, Harry acrescentou: — Traga duas taças e uma garrafa do melhor vinho que tiver na casa, Vinnie.
Harry devia achar que, por ser lindíssimo, bem-sucedido e membro da influente família Potter, poderia controlar qualquer situação da maneira que melhor lhe conviesse. Qualquer outra garota no lugar de Hermione estaria de joelhos e mãos postas agradecendo à lua e às estrelas por estar jantando com o irresistível Harry Potter. Mas ela não era qualquer uma.
Por sorte, era imune àquele tipo galã de Hollywood... com olhos verdes e sorriso deslumbrante. Já passara por isso antes, e aprendera muito bem a lição. A última coisa que queria era se envolve com um playboy como seu ex-marido.
Hermione ia dizer ao garçom para não se preocupar em trazer uma taça para ela, mas Harry escolheu justo aquele momento para fazer o pedido.
— Gostaríamos de uma salada à moda da casa e lula recheada, Vinnie.
— Excelente escolha, senhor! — disse o garçom, tratando Hermione com um sorriso que indicava que já assistira a Harry em ação antes.
Assim que o garçom se afastou, Hermione olhou-o com uma sobrancelha erguida.
— Não acha que está exagerando?
— Não gosta de lula?! Achei que todo o mundo gostasse. Se preferir, mudaremos o pedido. — E gesticulou para chamar Vinnie.
— Não é esse o motivo, sr. Potter.
— Então, o que é, Hermione? — Pousou a mão sobre a dela. — E, por favor, me chame de Harry.
Aquele contato causou-lhe uma sensação estranha que lhe percorreu toda a espinha. Tratou logo de livrar a mão. Harry merecia toda a reputação de playboy decantada quase todos os dias nas colunas sociais. Que bobagem desperdiçar aquele charme com ela! Graças a seu ex-marido, Michael, estava imune àquele tipo de tática.
— Eu lhe disse que não queria vinho. — A agitação no estômago passou a um enjôo fortíssimo, e as palmas das mãos suavam frio. — Creio que está na hora de estabelecermos algumas regras, sr. Potter. Não estou interessada em nada além da investigação da tentativa de assassinato de seu irmão. Portanto, vamos parar por aqui mesmo.
— O que a faz imaginar que estou querendo algo mais do que cooperar com sua investigação, Hermione?
— Ora, sr. Potter!
— Harry.
— Quase me trouxe à força para jantar. — Hermione pôs o bloquinho e a caneta dentro da bolsa. — Decidiu que eu deveria entrevistá-lo na segunda-feira... Depois, que deveria tomar vinho, quando deixei claro que não queria. Está pretendendo bancar meu pai, sr. Potter?
— Claro que não!
— Não gosto que decidam nada por mim.
Dizendo isso, ergueu-se, mas tudo em volta rodopiou, e Hermione teve de se apoiar na mesa para se firmar.
— Estou acostumada a ter o controle da situação, entendeu?
— Tudo bem com você? — Harry se levantou.
— Estou... — Hermione cerrou as pálpebras, num esforço para clarear a visão.
Quando tornou a abri-las, Harry estava a seu lado, segurando-lhe o cotovelo.
— Foi uma semana exaustiva, sr. Potter. Acho que não vou jantar. Pegarei um táxi e irei para casa.
— Eu a levarei.
— Não, não é necessário. Por favor, fique... e desfrute a... refeição.
Harry a fitou, intrigado. Não estava bem certo, mas algo lhe dizia que aquilo não se tratava apenas de um simples caso de esgotamento. A respiração dela tornara-se ofegante, e a face assumira um tom branco fantasmagórico.
— Mário — chamou ele, acenando para o maitre. Quando o pequeno homem se aproximou, Harry explicou-lhe:
— A sra. Delgado não está se sentindo bem, e decidimos suspender o jantar.
— Muito bem, signore Potter — disse Mário, dirigindo um olhar preocupado a Hermione. — Sinto muito pela signorina. Espero que se recupere rápido.
Harry segurou-a pelo braço, levando-a para a saída. Mas de repente seus passos hesitaram, fazendo-a estacar. Hermione encarou Harry, que pôde ver uma mistura de medo e pânico nas expressivas íris castanhas. Hermione pendeu para o lado, amparando-se nele.
— Por favor... ajude-me... Harry. — E desmaiou.
Sem pensar duas vezes, ele a tomou nos braços e correu. Graças aos céus, tinha estacionado na frente do restaurante. Só mais alguns passos e estariam no Jaguar.
Harry a colocou no interior do veículo, firmou o cinto de segurança e contornou o carro dirigindo-se ao assento do motorista. Ligou o motor e pisou fundo no acelerador, deixando o estacionamento.
— Aguente firme, Hermione. Eu a levarei ao Hospital Memorial em menos de dois minutos.

De Solteirão à papaiOnde histórias criam vida. Descubra agora