Nossa dança sem ritmo

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S/n's point of view...

Ouvi o barulho da porta do quarto abrindo com um leve ruído, eu não queria pensar, mas naquele momento eu não havia escolha, era Billie. Esse seria o primeiro momento em toda a minha existência, onde eu não queria vê-la ou conversar com ela, apenas queria descansar um pouco e refletir sobre o dia. Meu cérebro não demorou muito para rebater e todas as lembranças do meu descontrole voltaram. Sensação de vazio, fraqueza inconsolável.

"S/n? Amor, você está bem?" A voz de billie passou como uma lufada de ar através do meu ouvido e permaneceu na minha cabeça.

Eu não estava bem, como eu poderia estar? Como eu poderia me permitir esse luxo de estar bem com algo? A raiva excessiva e o estresse só piora a cada dia. Se eu pudesse chorar, com certeza inundaria rios e mais rios com meus olhos, meus olhos cansados e fundos de sede. A quanto tempo eu não caçava? Haviam semanas. Não estava me alimentando, apenas me preocupando a cada dia que passa.

"Sim, eu estou." Menti, caí de bruços na cama onde eu e Billie fingimos dormir. "Eu só preciso de um tempo."

"Podemos conversar..."

"Não." Interrompi sua fala. "Se não se importar, prefiro ficar sozinha."

"Certo." Billie girou nos calcanhares e foi até a porta, ela respirou fundo e antes de trancar ela parou e disse. "Eu não condeno a sua existência, você condenaria a minha?" Silencio. "Quando quiser conversar, sabe onde me encontrar."

A porta do quarto fechou em um tranco, contei até dez, vinte, trinta até me acalmar. Eu não sei a razão de estar tão fora de controle. Já fazem 35 anos, eu deveria ter alguma experiência sobre isso, como Billie tem, como finneas, até mesmo como Lauren tem. Afundei mais ainda minha cara no travesseiro, como se o objeto feito de esponja macia fosse um ursinho de pelúcia e eu tenha voltado aos meus 7 anos de idade.

Gostaria de ter a capacidade de chorar, era inacreditável o vazio que eu sentia que só podia ser preenchido com uma boa noite em claro até finalmente cair no sono de tanto chorar. A impossibilidade de ambas as coisas que eu almejo nesse momento era gritante e, como se não bastasse tamanha agonia, ainda fui castigada a existir.

Me apeguei a ideia de voltar até Billie, ela era a única pessoa capaz de preencher esse meu vazio, embora atualmente eu me questione os limites de sua eficiência. Eu só machuco as pessoas que amo e isso me machuca, quão injusto é a nossa sorte, Billie? Eu poderia gastar meu tempo tirando dor de seres vivos, mas gasto meu tempo destruindo eles. O ponteiro do relógio passava e o tic-tac insuportável, sendo ampliado pelo silêncio, voltou a me dar nos nervos. 3:00h da manhã. Decidi ir atrás de Billie, pedir desculpas e vencer meu ego prepotente. Desci os degraus formando uma espiral até o andar de baixo, atravessei dois cômodos – sala e cozinha – até encontrar o anjo de cabelos platinados, sentado na varanda observando as estrelas.

"Lindo não é?" Disse o anjo com sua voz aveludada e calorosa. "No outono conseguimos ver o céu com muito mais clareza."

"Sim..." Respondi apreensiva, Billie não expressava suas palavras com fúria, sua voz calorosa e admirada me fez sorrir. "Nossa primeira noite... O anoitecer..." Pensei alto demais, trazendo à tona todas as minhas lembranças que jurei guardar apenas em minha memória.

"Foi uma das quatro melhores noites da minha vida, ou devo dizer existência?" Billie voltou na minha direção e seus olhos cor do oceano ficaram acinzentados de tristeza. "As quatro eu passei com você." Ela sorriu de canto, me admirando como se eu fosse uma obra de arte.

"Quatro noites?" Perguntei com um ar de curiosidade excessiva.

Minha vida estava trilhando caminhos perigosos, eu já não sentia certeza em nada pois passei longos anos dessa existência acreditando na realidade efêmera que me aguardava. Nunca imaginei estar presa a alguém que tanto amo, nunca imaginei que eu seria capaz de amar. Hoje, 35 anos após o meu nascimento, eu vejo que tudo isso que vivo agora é etéreo, quase fantasmagórico.

"Quer que eu cite elas?" Billie segurou minha mão e me puxou para mais perto. Começamos uma dança sem ritmo e sem som, nossos corpos estavam colados e sua mão estava em minha cintura, mexiamos de um lado para o outro como se fosse uma dança clássica. "São as únicas lembranças que têm a capacidade de viver em minha mente sem me atormentar, não há arrependimentos em nenhuma delas."

Seu hálito doce soprou em minha face estimulando o veneno que corroía cada parte do meu corpo.

"A primeira foi quando te conheci, estava espiando pela sua janela, ouvindo você falar meu nome durante seu sono." Disse ela com um sorriso iluminando a sua face. "A segunda foi quando demos nosso primeiro beijo." Continuou. "A terceira foi quando te ouvi falar que me amava." Ela suspirou. "Quarta e última, quando tive a oportunidade de consumi-la de corpo e alma." Houve uma pausa. "Fui castigada a vagar por essa terra por 104 anos, sozinha e vivendo de maneira limitada, coisa que me trazia tamanha repulsa a minha própria espécie." Seus olhos brilharam como chamas azuis e ela suspirou. "Até que encontrei você, você é a única luz que eu conheci."

Nossa dança sem ritmo parou, senti minha pupila arder e a íris néon dos meus olhos refletiam nos olhos dela. Todas as lembranças de repente vieram como um raio atravessando minha cabeça. Todas as minhas vivências humanas, tudo que eu mais queria ter enquanto em vida com billie. A forma como ela me tocava, como nossos lábios se encaixavam, como nos meus sonhos eu gritava por ela e almejava que aquilo se tornasse realidade.

"Eu lembro." Eu disse. "Eu lembro de todas elas."

Segurei a mão do anjo com mais força, prendi ela em um aperto, rejeitando a ideia de me afastar mais do que o necessário de seu corpo

"Como você não consegue esquecer das coisas com o tempo?" Questionei, ainda apertando sua mão gelada.

"Você se engana enquanto a isso." Seus olhos brilharam e sua risada rouca inundou a atmosfera sonora. "Eu sei que já esqueci de muito que me ocorreu, não lembro com tanta clareza da minha vida humana mas prometi a mim mesma que jamais esqueceria de tudo que vivemos e ainda vamos viver juntas."

Selei nossos lábios, passei meus braços em volta do seu pescoço e me apoiei em seus pés. Joguei todo meu peso contra seu corpo e lá estava eu novamente, rendendo a beleza de billie.

"Nos seus braços sou capaz de tudo, incluindo nada" Afastei minha boca da dela com dificuldade. "Porque não há nenhum lugar nesse mundo que eu deseje estar mais do que à mercê do seu abraço."

É inevitável não sentir o peso da solidão, a dor da perda. Meus pais me falavam que todo mundo era sozinho e que a solidão era uma condição da existência humana, eu acreditei por longos anos nisso mas sempre me permiti questionar se eu estava condenada a ser sempre sozinha. Atualmente não tenho mais meus pais, não tenho mais Gustav e até mesmo Ariana se mantém distante. Apesar de tudo eu ainda tenho Billie, agora que estou sozinha no mundo, existe apenas eu e ela e eu dependo dela como nunca dependi de ninguém em toda minha vida.

Você sente medo? Eu não temo mais, esse amor é uma cena de horror.

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Afterfall™ - Continuação De Nightfall - (Billie/You).Onde histórias criam vida. Descubra agora