Azuria Cromwell admirava o treinamento militar dos soldados com um brilho febril nos olhos, as mãos agarradas às ameias. Os meses passavam como relâmpagos.Se lembrava da última reunião que Darkus tivera antes da trégua. Fora pouco depois da descoberta da ancestralidade do rapaz, e de seu consequente apontamento para o título de Príncipe Herdeiro. Mesmo que ele ainda sufocasse protestos contra esse título que considerava ridículo, ele ainda manteve a posição.
"Suponho que é porquê ele crê que precisa disso para continuar a guerra...agarrou como mera ferramenta e depois vai largar", pensou a Cromwell, com desgosto. Esperava que conseguisse o dissuadir, afinal sempre acreditou que Darkus tinha potencial para rei.
Viu uma fração disso nessa reunião, onde entre homens gritando por aço e fogo, o prometido clamou por paz. Dissera que a guerra deveria cessar por um semestre, afinal deviam repôr os silos e armazéns com urgência. Falou que ainda sim deveriam aproveitar da trégua para reformular a estratégia de cerco à Lerna, e também reocupar territórios anteriormente saqueados.
" E, também, reformar a aliança com a Religião", dissera a própria Azuria, para a surpresa de vários homens à mesa. Não se esperava que uma mulher tomasse voz nos assuntos de estado, não desde Eliza Draegys, a anterior Princesa Herdeira.
Azuria sabia que isso era necessário, pois dois motivos: um aliado poderoso militarmente e economicamente, a Fé de Auren controlava boa parte das terras à sudoeste da região Norte, e também algo precioso para aumentar a moral do povo e dos exércitos.
Eles discordariam, seriam orgulhosos, diriam que não havia necessidade de lutar com amas além das asgaetinas. Era oque ela esperava. Mas todos eles... prontamente aceitaram, viram como algo que já devia ter sido decidido há muito tempo.
- Pela graça de Lugres, que isso seja verdade. Não aceitaria..perder mais do que já perdi..- Manteve as mãos unidas sob um grande bloco de ameia, olhando para além daqueles muros cravejados de guaritas, tão longe do sangue que ela se irritava.
Como algo que parecia ser sua maior preocupação, todo dia e à todo momento...podia ser tão distante? Pensara nisso, até ver os refugiados. Dezenas, centenas, de camponeses desesperados pagando com terras por uma passagem para a Ilha da Florencia. Sangrentos, maltrapilhos e desesperados...eram o retrato do campo onde lutavam à distância.
- Aeron...você provavelmente discordaria de cada decisão que estou tomando. Não há lugar para os fantasmas dos Cromwell nessa nova era..- Murmurou com tristeza, mirando as águas agitadas de verão em Arlan, um longo tocar de Sol dourava as brancas areias das praias arlanas e a tez clara da duquesa.
Foi interrompida de seus devaneios com a chegada de passos largos, ressoando de metal. Leon Baltair, o rapaz alto e herói da Batalha de Vestroya, provavelmente o homem com quem se casaria se não fosse Darkus. Ele tinha cabelos negros como os do príncipe, mas os olhos eram cor de mel, usava uma capa das cores vermelha e negra. Para abdicar dos símbolos de sua Casa, devia ser por inteiro um soldado de Darkrym.
- Minha senhora, Darkus..quero dizer, Sua Alteza, a chama urgentemente para seus aposentos pessoais.- Proferiu Leon, era desajeitado, e a informação ainda era demasiado recente para os homens que seguiram seu general por metade do mundo.
Mas Azuria não entendia exatamente oque ele queria dizer, suspeitava que havia algo mais.
- Aposentos? Os aposentos reais no Forte Novo?- Perguntou, se fossem estes teriam sido mencionados de outra forma. Darkus não os considerava pessoais.
- Não, senhora, são os aposentos no Castelo de Hendrid. Dar..digo, Sua Alteza, moveu sua residência para a antiga fortaleza.- Ele aparentemente diria mais alguma coisa, se Azuria não lançasse seus braços para cima.
- Teimoso!- "Será que ele não consegue viver cinquenta dias em uma corte?!", pensava mais do que se atrevia à falar. Podia gritar, espernear e cruzar os braços...
Mas quinze minutos depois, seguia pelas ruas asfaltadas em tijolos da capital. Quatro servos carregavam sua liteira com braços fortes, enquanto Lorde Leon e três outros cavaleiros guardavam os flancos, frente e costas da pequena viagem da nobre. Delicadamente, sentindo os solavancos do caminho cheio de curvas, afastou as sedas da cortina.
Viu centenas de casas passando por ela, cada uma habitada por diferentes pessoas, que também moviam do o comércio e a vida daquele lugar. Via uma pequena parte daqueles centenas de milhares de habitantes que moravam em Arlan, meio milhão de pessoas viviam ali na capital. Até eles sentiam a guerra, o preço da comida era alto, pelo que ela ouvia.
Isso embrulhou seu estômago, Darkus tinha que terminar rápido com aquilo.O Castelo de Henfrid era uma velha fortaleza na Cidade Velha, o distrito onde anteriormente era a primeira Radriel. Tinha grandes muralhas que, mesmo que quatro vezes mais velhas que a cidade, pareciam intocadas pelo tempo. Suas guaritas e ameias estavam permeadas de soldados, armaduras douradas refletindo o sol da tarde.
Um fosso seco, coberto de espigões tortos e vermelhos de ferrugem, dividia os casebres da fortaleza. A ponte levadiça foi abaixada quando a torre de atalaia deu o sinal, duas sopradas de trompa. Entrou no castelo como uma rainha.
Mas no aposento do castelo, não era o único elemento régio presente.
Darkus se erguia alto como um poste, havia crescido nos últimos meses. Trajava uma capa vermelha e negra sob uma túnica branca e não usava diadema ou peça de metal precioso, usava uma coroa de louros. Um laurel verdejante, os ramos entrelaçados sobrepostos ou consumidos pelos fios negros.
" Um general, não um príncipe", deveria ter imaginado. O noivo era um homem de fortalezas, passara a maior parte da vida em alguma dessas, seja em Forte Primaveril ou em Engarth.
- Minha residência por enquanto, consegui fazer com que o conselho aceitasse. Aqui tenho o total apoio de minha guarda, minha senhora, que atualmente é de...- Pensou um pouco, enquanto brincava com uma peça de xadrez, um diminuto cavalo negro de madeira.
- Trezentos homens, Dark..digo, Vossa Alteza.- Se adiantou Leon Baltair, corando violentamente por seu terceiro erro seguido.
Darkus bufou, pôs a peça de cavalo sob a escrivaninha, onde havia um tabuleiro completamente montado. Azuria supunha que era o de Valtryek de Lerna, que o rapaz tomara posse quando ocupou Vestroya.
- Não precisa usar as cortesias nesse tipo de ambiente, Leon, é um homem leal e tão valoroso quanto qualquer outro. Devo o suficiente para você para que não precise lamber minhas botas.- Disse o príncipe, franco.
" Estou falando com uma versão de cara pelada de Gerald de Elizaet.." pensou consigo mesma, atônita.
- Meu senhor, tem certeza que a melhor decisão foi mover sua guarda inteira para um castelo tão longe da corte? Tens sua responsabilidade no palácio, não pode fugir delas.-
- Aprendi que um homem não pode querer batalhar sem ter onde recuar. Troyr domina o palácio, e ele adoraria que eu fosse degolado durante a noite. Posso mover minha guarda daqui sempre que precisar, mas ele não pode tomar essa fortaleza sem dificuldades.- Darkus explicou, sem se deixar impressionar. - Mesmo se ele tentasse, eu poderia resistir à um cerco até que meus exércitos viessem fazer pressão. Posso lutar as brigas políticas de dia e dormir tranquilo à noite.-
Azuria se sentiu tola, mas não deixou isso ser demonstrado. Em outros tempos era ela quem ensinava política à ele, os terrores da guerra e as situações de nobreza. Mas ela ainda era uma duquesa, e não apenas princesa consorte.
- Mas suponho que você não tenha me chamado apenas para explicar sobre seu novo castelo, meu senhor.- Ela disse, tentando retomar a postura.
Isso pareceu funcionar, Darkus sorriu e ela se sentiu novamente como o homem que amava, e não o todo sério e mal humorado Lorde Darkrym. Era esse que ela conhecia tão à fundo.
- Não, eu acabei me esquecendo.- Darkus se permitiu rir um pouco. - Te chamei para avisar sobre a mais recente reunião do conselho. Vou partir logo depois do casamento, nosso casamento, os exércitos já vão ser notificados.-
Azuria sentiu as entranhas se retorcerem, tudo retornaria e ela ficaria ali naquele palácio, ouvindo rumores e restringida àquele litoral entediante. Antes estava longe do amante e do irmão, agora o marido a deixaria para trás.
- E para quando está agendado?- Ela perguntou rigidamente. O rosto não era mais leve que o de uma estátua.
- Daqui à três voltas de lua, para que a colheita possa ser feita e os exércitos colocados em ordem. E também para dar tempo que Raeron, os nobres da Westexia e o Alto Sacerdote cheguem.- Darkus lhe disse, vendo a preocupação em seus olhos.
- O Alto Sacerdote?- Ficou surpresa, já haviam conseguido convencer o velho religioso à sair de seu grande templo.
- Ele concordou em vir para discutir a aliança e abençoar o meu casamento, sugeriu também em talvez conceder-me perdão religioso. Sugere que eu peça à Fé para ter o nome limpo de bastardia, me tornar Darkus Draegys.-
Ele fez silêncio, esperando que ela falasse. E Azuria sabia exatamente oque ele achava e entendia a decisão dele.
- Você não é um Draegys, você é um Darkrym. E é bastardo há mais tempo do que é príncipe.- Azuria conhecia o homem, e soube que estava certa quando ele concordou.
Darkus finalmente se aproximou dela e lhe tocou o rosto, o coração da ruiva acelerou bruscamente com isso.
- Não precisamos disso, não importam os títulos... não vão me mudar..- Seus lábios tocaram os da noiva, sua mão lhe percorreu o braço.
Azuria sabia que não haveria paz tão cedo e que devia aproveitar. Pensou na paz dos cidadãos, na teimosia do mar e na animosidade do conselho. Tinham pouco tempo.
- Eu sei que sim, meu senhor..- Ela devolveu o beijo com paixão fervente. Como o povo arlano, deveria aproveitar cada grama do que ainda tinha.
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O Rei Da Primavera - Livro Três
FantasyA Guerra das Raças chega em seu verdadeiro ápice, no auge de suas hostilidades entre os Humanos e Monstros, com os elfos apoiando levemente a humanidade contra o poderio de Trigendolf. A balança finalmente se equilibra à beira do contra-ataque. ...