1. ARDÊNCIA

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TODOS os dias percebo o quão nítido a desigualdade que somos submetidos todos os dias, sei que não sou mais tão vítima dessa desigualdade quanto antes, mas minha avó ainda está enterrada nessa coisa toda, — Por escolha dela, mas mesmo assim é visível

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TODOS os dias percebo o quão nítido a desigualdade que somos submetidos todos os dias, sei que não sou mais tão vítima dessa desigualdade quanto antes, mas minha avó ainda está enterrada nessa coisa toda, — Por escolha dela, mas mesmo assim é visível. São milhares de famílias no bairro das Janelas, cada uma delas exposta a um tipo de privação diferente, uns estão piores que outros.

Além de tudo isso, há outro fator preocupante que é o perigo de morar no bairro, ainda que eu não more aqui, tenho que vir quase todos os dias para ajudar minha avó com suas quentinhas. Todos os dias que subo a rua alta e ingrime do bairro das Janelas, eu sinto um medo diferente, acho que a maioria dos moradores já se esqueceram da sensação de ter medo de morrer de forma comum, sei que a maioria deve sentir medo de morrer em um assalto, de bala perdida ou outra coisa pior. Enquanto um de nós morre, há uma centena de ricos comemorando um patético leilão de um vestido idiota que poderia fazer a diferença na vida de qualquer um de nós. Quero dizer, não é como se eles tivessem, espontaneamente, culpa.

Eu adoraria ter um pouco de esperanças nas pessoas, mas seria muito hipócrita da minha parte pensar nisso quando eu sou um grande oposto de bondade. Não é atoa que me tornei uma pessoa tão egoísta que sente asco de um lugar que sempre me acolheu, a ruindade tomou licença e criou raízes muito duras pra simplesmente arrancar de mim.

Quanto meus pés atinge o topo das escadaria que nos levam a parte mais íngreme do lugar, entro na minúsucula casa da minha avó e a primeira coisa que me deparo é o lenço azul que esconde seus cabelos grisalhos, sua pele negra brilha sobre o sol que entra pela enorme janela da cozinha e há dezenas de utensílios de alumínio com a sua comida cheirosa e deliciosa.

Minha vó foi o que me restou. É o meu bem mais precioso, meu sonho é convencê-la a morar comigo, mas ela é uma pessoa orgulhosa, gosta de ver do seu próprio sustento apesar de estar envelhecendo com a medida do tempo e se adoencendo.

Maria do Rosário é seu nome, é uma mulher brilhante e espetacular e a frente do seu tempo. Criou minha mãe sozinha e lutou para dar tudo que lhe fora negado por ser quem era, foi filha de escravos e sobreviviu á tempos difíceis.

— Bença, vó. Tudo bem?— Seus olhos minúsculos que dão brilho ao seu rosto me encaram amistosos. — Vi que hoje o dia vai ser correria, hein?.— Exclamo colocando suas marmitas na bolsa de isopor quadrada.

— Deus te abençoe, minha filha. Tudo bom?— Seus óculos de grau redondos estão embasados, ela me dá um beijo na testa e me entrega um papel com os endereços. — Hoje eu vendi bem, graças a Deus.

— Amém. — Visto a bolsa com alças de mochilas. — Tchau, vó. Até. — Vou caminhando até a porta e antes que eu saia, me viro e encaro seu rosto de ébano. — Já pensou no que eu disse?

— Sim, minha filha. — Ela solta sua risada mansa e animada costumeira, eu me deleito desse som e a acompanho. — Eu estou nova ainda, ficarei por aqui porque aqui é o meu lugar, minha filha. Gosto de dançar meu forró com as minhas cumadre do bairro, gosto de receber a dona Laura aqui em casa pro café da tarde e ficar atenta às fofocas que acontecem aqui.

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⏰ Última atualização: Sep 13, 2021 ⏰

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O vestido de um milhão de reaisOnde histórias criam vida. Descubra agora