Capítulo 5

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Ninguém, nem mesmo Lucien, foi consertar meu braço nos diasque se seguiram à vitória. Pelo que soube meu pai foi preso para ser impedido de me vir ajudar. Aparentemente, tirar os meus poderes fez com que eu ficasse com a minha cura feérica atrasada, atrasada demais. A dor me sobrepujava ao ponto de eugritar sempre que eu puxava o pedaço embutido de osso, e não tiveoutra opção a não ser ficar sentada ali, deixando que o ferimentocorroesse minhas forças, tentando ao máximo não pensar no latejarconstante que disparava lampejos de raios envenenados por meucorpo.Mas pior que isso era o pânico crescente; pânico de que a feridanão tivesse estancado. Eu sabia o que queria dizer quando o sanguecontinuava fluindo. Ficava de olho na ferida, fosse por esperança dedescobrir que o sangue estava coagulando, ou por terror por ver osprimeiros sinais de infeção. Não conseguia comer a comida podre que eles me davam. Vê-lame causava tanta náusea que um canto da cela agora fedia avômito. Não ajudava o fato de eu ainda estar coberta de lama e de amasmorra estar eternamente numa temperatura congelante.

Eu estava sentada contra a parede mais afastada da cela,aproveitando o frio da pedra às costas. Acordei de um sono inquietoe percebi que ardia. Era um tipo de fogo que deixava tudo meioanuviado. O braço ferido pendia ao meu lado enquanto eu olhavainexpressivamente para a porta da cela. Ela pareceu se mover, aslinhas oscilando.O calor em meu rosto era algum tipo de resfriado leve — não umafebre causada pela infeção. Levei a mão ao peito, e lama seca separtiu em meu colo. Cada respiração era como engolir vidroquebrado. Não é uma febre. Não é uma febre. Não é uma febre.Minhas pálpebras estavam pesadas, ardiam. Eu não podia dormir.Precisava me certificar de que a ferida não estava infecionada,precisava... precisava...A porta se moveu de verdade nesse momento — não, não a porta,mas a escuridão ao redor dela, que pareceu irradiar. Medo deverdade se embrulhou em meu estômago quando uma figuramasculina se formou daquela escuridão, como se ele tivesse seesgueirado pelas fendas entre a porta e a muralha, pouco mais queuma sombra.Rhysand tinha a forma totalmente corpórea agora, e os olhosvioleta brilhavam à luz fraca. Ele sorriu devagar de onde estava, àporta. 

— Que estado deplorável para a herdeira da Corte Diurna.

— Vá para o inferno — disparei, mas as palavras não passaram deum chiado. Minha cabeça estava leve e pesada ao mesmo tempo.Se eu tentasse me levantar, cairia.Ele chegou mais perto, com aquela graciosidade felina, e seagachou com facilidade diante de mim. Rhysand farejou, fazendouma careta para o canto sujo de vômito. Tentei levar os pés até umaposição mais inclinada, para me afastar ou para chutar a cara deRhysand, mas pareciam cheios de chumbo.Rhysand inclinou a cabeça. Sua pele pálida parecia irradiar luz dealabastro. Pisquei para afastar a névoa, mas nem mesmo conseguivirar o rosto quando os dedos frios de Rhysand roçaram minha testa.

— O que diria Helion — murmurou ele — se soubesse que suaamada filha está apodrecendo aqui embaixo, queimando de febre? Nãoque ele possa vir até aqui, não quando todos os seus movimentossão observados.Mantive o braço oculto nas sombras. A última coisa de queprecisava era que descobrissem o quanto eu estava fraca. 

— Saia — falei, e meus olhos arderam quando as palavrasqueimaram minha garganta. Tinha dificuldades para engolir.Rhysand ergueu uma sobrancelha.

 — Venho oferecer ajuda, e você tem a audácia de me mandarsair?

 — Vá embora — repeti. Meus olhos doíam tanto que era difícilmantê-los abertos.

 — Ganhei muito dinheiro por sua causa, sabe. Imaginei quedeveria retribuir o favor.Recostei a cabeça contra a parede. Tudo estava girando, girandocomo um pião, girando como... Contive a náusea.— Deixe-me ver seu braço — disse ele, baixo demais.Mantive o braço nas sombras, apenas porque era pesado demaispara levantar.— Deixe-me ver. — Um grunhido saiu de Rhysand. Sem esperarminha reação, ele segurou meu cotovelo e forçou meu braço para aluz fraca da cela.Mordi o lábio para evitar um grito; mordi com tanta força que tireisangue quando rios de fogo explodiram dentro de mim, quandominha cabeça girou e todos os meus sentidos se reduziram aopedaço de osso que se projetava de meu braço. Eles não podiamsaber... não podiam saber o quanto estava ruim, porque, então,usariam isso contra mim.Rhysand examinou o ferimento, e, depois, um sorriso surgiu nosseus lábios sensuais. 

𝓒𝓸𝓻𝓽𝓮 𝓭𝓮 𝓯𝓸𝓻𝓬𝓪 𝓮 𝓫𝓮𝓵𝓮𝔃𝓪 - RhysandOnde histórias criam vida. Descubra agora