Capítulo 15

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Inclinei a mão esquerda, os redemoinhos de tinta cobriam meus dedos, meu pulso, do antebraço até o cotovelo, absorvendo a escuridão do cômodo. O olho gravado no centro da palma de minha mão parecia me observar, calmo e atento como um gato, a pupila em fenda estava mais ampla que no início do dia. Como se tivesse se ajustado à luz, como qualquer olho comum faria.
Olhei para ele com raiva.
Para quem quer que pudesse observar através daquela tatuagem.
Não tivera notícias de Rhys nos três meses em que estava ali. Sequer um sussurro.

Apertei os dedos em punho, bloqueando aquele olho, a tatuagem. Penelope tinha partido a menos de 1 mês para ver o seu povo, eu e Sophia tínhamos chegado a corte Diurna a menos de um mês, partimos logo após a partida de Penelope, Sophia achava que ainda não era o momento de aparecer ao irmão, eu respeitei a sua decisão. Ela tinha voltado ontem para as Terras humanas, eu disse-lhe que iria ficar mais um tempo.

O meu pai não estava na corte,  mas tinha deixado um regente de sua confiança, uma vez que eu tinha lhe dito que ainda não estava pronta para isso. Eu queria aproveitar a vida, aproveitar enquanto Rhys não se lembrava do nosso acordo para viver livremente. O regente do meu pai era Kaah, nunca consegui gostar dele, ele acha que manda tanto quanto o meu pai, ele achava-se superior, como se fosse ele o herdeiro legítimo. Sinceramente, eu não gostava dá ideia de liderar a Corte Diurna, gostava de ter um irmão mais velho nestes momentos, não me entendam mal, eu sou grata pela minha família, mas tenho a sensação que esse não é o meu destino, quero ser guerreira, liderar um exército, ficar na linha da frente de uma batalha. Não sei explicar direito o sentimento.

Desde que Sophia foi embora, Kaah começou a agir diferente, como se eu fosse uma criança. Por exemplo agora:

— Por favor. Os trabalhos de recuperação estão muito lentos. Eu poderia caçar para os aldeões, conseguir comida para eles...
— Não é seguro — disse Kaah, mais uma vez incitando o cavalo para que se movesse. A pelagem do animal brilhava como um espelho negro mesmo à sombra dos estábulos.- Principalmente para você.

Falava como se eu fosse uma donzela indefesa.

Eu o segui em direção ao dia claro e de céu limpo além dos estábulos; o gramado cobria as colinas próximas, ondulando à leve brisa.
— As pessoas querem voltar, querem um lugar para viver...
— Essas mesmas pessoas a veem como uma benção, um sinal de estabilidade. Se algo acontecesse a você... — Kaah se interrompeu quando parou o cavalo na beira de uma trilha de terra que o levaria para os bosques a leste.
— Não podes me prender aqui, não és o meu pai, não podes me dizer o que fazer ou não.

— Como regente, posso te impedir de saires de casa e fazeres isso.

— Não serias capaz, o meu pai mataria-te pela ousadia.

— O teu pai não está aqui princesinha, por isso é melhor começares a aceitar isso.— Ele tinha a capacidade de me  fazer sentir uma criança, como se eu fosse fraca, detestava esse sentimento. Lancei-lhe um olhar que prometia vingança, e entrei no palácio.

Tinha se passado duas semanas que Kaah não me deixava sair de casa, eu não era claustrofóbica, mas estava a começar a meter- me aflição não poder sair, eu amava o ar livre a liberdade, agora ele tinha feito uma festa e chamado muita gente, eu estava a passar-me, não entendia porque eu simplesmente não saia, afinal eu só tinha que ir contra a sua palavra,  mas era como se ele conseguisse me impossibilitar, sentia-me como uma criança a beira dele, ele tinha essa capacidade de manipular as pessoas, eu estava a sentir-me presa demais, como um pássaro numa gaiola dourada.

Ajude-me, ajude-me, ajude-me, implorei a alguém, qualquer um. Os meus amigos não estavam ali, só estavam pessoas que eu nunca tinha visto na vida, nem os soldados que eu conhecia, parecia de propósito.

Me tire daqui. Acabe com isso.
Kaah deu um passo na minha direção; falsa preocupação estava no seu olhar. Era capaz de enganar qualquer ir menos a mim, não eu já conhecia os seus troques.
Recuei um passo. Não.
A boca de Kaah contraiu-se. A multidão murmurou. Fios de seda carregados de esferas de luz feérica dourada brilharam ao tomar vida acima e ao nosso redor.

Trovão ressoou atrás de mim, como se duas pedras tivessem sido chocadas uma contra a outra.
Pessoas gritaram, caindo para trás, e algumas desapareceram imediatamente quando a escuridão irrompeu.
Eu me virei e, em meio à noite que flutuava como fumaça ao vento, encontrei Rhysand ajeitando as lapelas de seu casaco preto.
— Oi, Heloísa, querida- ronronou Rhysand.

Eu não deveria ter ficado surpresa. Não quando Rhysand gostava de tornar tudo um espetáculo. E achava que irritar Kaah era um tipo de arte. Ele não gostava de Kaah quase como não gostava de Tamlin. Nunca entendi o porque.

Rhysand, Grão-Senhor da Corte Noturna, agora estava ao meu lado, e escuridão escorria dele como nanquim na água.
Rhys inclinou a cabeça, os cabelos preto-azulados oscilaram ao movimento. Aqueles olhos violeta brilharam à luz feérica dourada conforme se fixaram em Kaah, conforme Rhysand estendia a mão para onde Kaah e as sentinelas dele estavam sacando as espadas, avaliando como me tirar do caminho, como derrotar Rhys...
Mas, quando aquela mão se ergueu, todos congelaram.
— Que festa bonitinha— disse Rhysand, enfiando as mãos nos bolsos enquanto aquelas muitas espadas permaneceram embainhadas. A multidão que restara recuava, alguns subiam em cadeiras para fugir.
Rhys me olhou de cima a baixo devagar e emitiu um estalo com a língua quando viu as luvas de seda. Kaah tinha me obrigado a vestir um vestido que parecia um balão.
O que quer que estivesse se acumulando sob minha pele ficou imóvel e frio.
—Dê o fora daqui— grunhiu Kaah caminhando em nossa direção.
Rhys emitiu outro estalo com a língua.
— Ah, acho que não. Não quando preciso cobrar meu acordo com a querida Heloísa.
Meu estômago pareceu vazio. Não... não, agora não.
— Se tentar quebrar o acordo, saberá o que vai acontecer — continuou Rhys, rindo um pouco da multidão que ainda tropeçava sobre si mesma para fugir. O Grão-Senhor me indicou com o queixo. — Dei três meses de liberdade a você. Poderia ao menos parecer feliz em me ver.
— Vou levá-la agora.
— Não ouse — rosnou Kaah. Não era que ele se preocupasse, só não queria parecer fraco.

— Rhysand...— continuou Kaah
— Não estou a fim de negociar — declarou Rhys. — Embora eu conseguisse tirar vantagem disso, tenho certeza. — Obriguei-me a permanecer firme quando senti a carícia de Rhys no meu cotovelo  — Vamos.
Não me movi.
Kaah deu um único passo em minha direção, o rosto dourado ficou amarelado, mas continuou concentrado em Rhys.
— Diga seu preço.
— Não se incomode — cantarolou Rhys, entrelaçando o braço no meu. Cada ponto de contato era terrível, insuportável. Sentir o seu toque depois de ter ido embora, logo quando soube que eu era sua parceira, aquilo deixou-me vulnerável, por mais que detestasse admitir.

Ele me levaria para a Corte Noturna, o lugar que minha amiga tanto falava.
Mas Kaah não se moveu... e aquelas garras foram completamente substituídas por pele macia. Ele fixou o olhar em Rhys, e seus lábios se retraíram em um grunhido.
— Se você a ferir...
— Eu sei, eu sei — disse Rhysand, impaciente. — Vou devolvê-la em duas semanas.
— Eu não sou mercadoria, para falarem como se eu estivesse aqui- falei pela primeira vez, era como se com Rhys aqui eu pudesse respirar novamente, eu sentimento de segurança, eu não entendia o porque, dado que Rhys era de longe uma ameaça.
Rhys soltou meu cotovelo apenas para passar a mão pela minha cintura, me puxando contra a lateral do corpo conforme sussurrava ao meu ouvido:
— Segure firme.
Então, a escuridão rugiu, um vento me empurrou para um lado e para o outro, o chão pareceu cair sob mim, e o mundo tinha sumido ao meu redor. Restava apenas Rhys, e eu o odiei enquanto me segurava nele, odiei com todo meu coração...
Então, a escuridão sumiu.
Senti cheiro de jasmim primeiro; depois, vi estrelas. Um mar de estrelas brilhando além de pilares reluzentes de pedra da lua que emolduravam a ampla vista das infinitas montanhas cobertas de neve.
— Bem-vinda à Corte Noturna. — Foi tudo o que Rhys disse.

𝓒𝓸𝓻𝓽𝓮 𝓭𝓮 𝓯𝓸𝓻𝓬𝓪 𝓮 𝓫𝓮𝓵𝓮𝔃𝓪 - RhysandOnde histórias criam vida. Descubra agora