Capítulo 6 - Doença

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A lua refletia sua luz fraca no vidro da janela do quarto, que balançava enquanto o vento fazia questão de bater por lá. Já passava das 4h da manhã quando a maioria dos garotos haviam dormido, e era de se esperar que todos estivessem exaustos, especialmente depois de beber tanto álcool misturado com o macarrão de Richie (que, na verdade, Eddie quem fizera). No entanto, essa não era a verdade; Eddie era o único acordado naquele cômodo: saíra do quarto e fora andando até a varanda.

Richie dormira como a pessoa mais feliz do mundo, seu sorriso se espalhava cada vez mais por seu rosto conforme pensava nos acontecimentos da noite. Não fora tudo que planejara, mas ainda sim saíra tudo muito bem, obrigado. Mike dormia espalhado entre o colchão e o chão, um pouco da perna apoiada no sofá (pois insistia que sua barriga poderia doer a qualquer instante novamente e precisaria levantar com rapidez para ir ao banheiro), enquanto Bill e Stan dormiam nos dois colchões da ponta, um perto do outro, as pernas entrelaçadas, os dedos enroscados. Richie passou o próprio braço para o colchão do lado, afim de tentar alcançar Eddie, mas ali não achou ninguém.

A falta de um corpo ao seu lado o fez acordar quase que imediatamente. Ele não esperava que teria a sorte que Stan teve de dormir "secretamente" (entre muitas aspas, já que era muito perceptível) de mãos dadas com Bill, mas ele poderia, ao menos, dormir do lado de Eddie e, algumas vezes durante a noite, poderia aproveitar e passar a mão pelo cabelo do menino. Naquele momento, entretanto, não sentiu nada além do travesseiro e cobertor do mais novo ali, o que o assustou.

"Eds...?" Perguntou, baixinho. Em uma rápida olhada em volta, percebeu que ali no quarto ele não estava, portanto levantou enrolado no cobertor e saiu arrastando-o pela casa. "Ed...?" Chamou outra vez, e ao sentir a brisa gelada bater em seu cabelo, andou direto para a sacada e encontrou-a aberta, com quem estava a procura o tempo todo. "Ué... O que está fazendo aqui? Não conseguiu dormir esse tempo todo?"

Eddie negou para o nada, os braços cruzados. Estava sentado na pequena poltrona de madeira almofadada que ali tinha; tremia de frio, no entanto ainda sim, não olhou em nenhum momento para o que acabara de chegar.

"Você está congelando!" Richie sentou ao lado de Eddie e envolveu-o com seu braço esquerdo para cobri-lo com o cobertor que levara. "Isso não é muito a sua cara, Eddie, não é você mesmo quem diria que você ficaria doente pegando esse vento gelado? Pegaria 'pneumônia' ou sei lá o que mais?"

Não aguentando, Eds soltou uma leve risada e revirou os olhos antes de corrigir o outro.

"É 'pneumonia' que se fala, seu lerdo. E eu sei disso, eu não sei o que estava pensando de não trazer um cobertor eu só... Sei lá... Queria vir ficar sozinho." Suspirou.

"Ah, tá. Bem, se você quiser, eu posso sair..." Richie mordeu o lábio inferior. "E deixar o cobertor com você, é claro..." Já começava a tirar o próprio cobertor de si mesmo e deixa-lo somente com Eddie quando este o parou no meio do caminho.

"Não precisa. Agora que está aqui, podemos aproveitar e conversar." Estava com um tom sério, de um tipo que Richie não o ouvira ter antes. Preocupado, não desesperado nem nada, só sério, mesmo.

"Ham... Claro... Que tipo de conversa?" Levantou as sobrancelhas.

Eds não respondeu logo de cara, levou um tempo para respirar fundo e virou-se de lado, para ficar mais de frente com o menino. Estava demonstrando também um pouco de ansiedade e nervosismo, demorou para dizer as próximas palavras, como se estivesse pensando nelas desde que estava sentado ali sozinho.

"Rich... Eu acho melhor a gente parar de fazer toda essa coisa de beijo. Sabe, de treinar beijar e tudo mais. Inclusive, eu acho melhor a gente parar de se ver por um tempo." Falou, tudo de uma vez só, como se fosse um taco de basebol batendo com força na cabeça de Richie, que ficou totalmente sem reação naquele instante. Quando percebeu que não obteria resposta alguma, Eddie continuou: "é que eu não sei o que está acontecendo comigo. Eu não sei o porquê deu ter dado aquele beijo em você sem motivo algum, quando estávamos no seu quarto, depois de você ser desafiado a me beijar na frente de todo mundo. A última coisa que eu quero é que alguém saiba que nós nos beijamos, mas algo dentro de mim disse que eu queria te beijar... Entende, foi um sentimento meu, eu quis te beijar, não só porque eu estava querendo treinar."

"Então você quer que a gente pare de se ver porque você começou a ter sentimentos com relação aos nossos beijos?" Richie perguntou, piscando várias vezes. Franziu a sobrancelha, como se nada fizesse sentido. "Eddie, isso é normal, eu na verdade também sinto..." Ia continuar a frase, quase como que por impulso, mas foi totalmente cortado por Eds, que balançou a cabeça no mesmo instante para negar.

"Eu não sinto absolutamente nada, Richie. Eu não posso sentir alguma coisa, a única coisa que eu sinto nesse momento é que estou confuso. Eu nem sei que tipo de confusão é essa, mas aposto que é o tipo que deixa as pessoas doentes. Doentes, sabe, com AIDS." Frisou o final com certeza do que falava, o que fez Richie esbravejar, sem conseguir acreditar no que ouvia.

"Ah, não vem com essa história de AIDS de novo, Eds!" Quase gritou, mas conteve sua voz para não acordar a todos. Ainda sim, estava ficando nervoso. "Ninguém vai pegar AIDS, não! Você não entendeu que só se pega se tiver vários parceiros sexuais, geralmente com muita droga envolvida, com uso de seringa de braço em braço, essas coisas... Não se pega AIDS porque se está apaixonado por..."

"Eu não estou apaixonado!!" Eddie se colocou em pé no mesmo instante. Suas bochechas estavam instantaneamente vermelhas, estava tão bravo, mas nem ao menos entendia o motivo de tanta braveza. "Eu não estou apaixonado por você, Richie, eu não sinto nada por você!"

"Bem, mas eu estou!" Richie também se levantou, seu peito ofegava, apesar de não estar nem gritando, nem sussurrando. Parecia que havia corrido por um quilômetro seguido, seu coração batia tão rapidamente que iria explodir do peito. Finalmente falara, saíra de sua boca sem nem ao menos ele ter controle.

Era possível isso acontecer?? As palavras podiam sair sem controle da boca de uma pessoa? Richie nunca sentira seus lábios e gargantas tão secos antes, sentia uma vontade imensa de chorar e sabia, entretanto, que não iria fazer isso na frente de Eddie. Não naquele momento. Não podia, tinha que terminar o que acabara de começar, mesmo que nem se quer fora ele mesmo que começara – fora alguma força maior, dentro dele, quem gritara de dentro pra fora que estava apaixonado. E continuou falando, em alto e bom tom, como se não estivesse obedecendo aos mandamentos de sua mente, que berravam para parar e ficar quieto:

"Eu sempre estive!! Você quem nunca percebeu! Eu achei que... talvez... Se a gente começasse a se beijar, você..." Sua voz começou a obedecer seu cérebro, que mandava-o se calar, enquanto ao mesmo tempo seu coração gritava por mais palavras, mais explicações, um pedido por compreensão e quem sabe até as benditas lágrimas que ele tanto segurava para trás.

O silêncio foi o dono da palavra e ele gritou mais alto do que qualquer desespero poderia ter dito. Eram como se as reticências do que Richie havia dito tivessem continuado para além de três únicos pontos e permanecido como passos mudos, que Eddie demorou para, enfim, quebra-los.

"Eu sinto muito, Richie, mas eu não pedi por isso. Você está doente, e eu não quero ficar doente também." Não olhava para Rich com dó nem piedade; somente com surpresa e angústia. Não disse mais nada nem ao menos trocou significados, saiu andando para fora da varanda e de volta para dentro da casa.

Richie queria dizer alguma coisa. Se Eddie estava sentindo algo, se estava com medo daqueles sentimentos, ele podia ajudar. Já passara por isso uma vez, já tivera nojo de si mesmo antes de entender que aquilo tudo podia ser uma coisa boa. Ele podia estar do lado de Eddie e ajudá-lo a descobrir o que ele realmente era e o que queria.

Mas suas cordas vocais pareciam ter levado a sério os mandamentos de seu cérebro naquele momento, e nenhuma palavra foi formulada em sua garganta. Não conseguiu nem ao menos se virar para encará-lo enquanto Eds pegava sua mochila com suas coisas e descia escada abaixo para ir embora. Levava consigo mais do que seus pertences naquela madrugada fria.

Levava, também, toda a felicidade.

Só em noites do pijamaOnde histórias criam vida. Descubra agora