Capítulo 9 - Um voto de confiança

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A noite já reinava e as nuvens traziam um vento agradável quando Stanley chegava na casa dos Kaspbrak. A Sra. Kaspbrak o deixava nervoso, então precisou respirar fundo várias vezes enquanto apertava os nós dos dedos para poder ter alguma coragem de bater na porta do local, mas para sua sorte, não foi ela quem abriu-a.

"EDDIE BEAR!" Ouviu o grito de dentro do que provavelmente era a sala. "Abre a porta para mim, por favor?? Deve ser a comida que pedi pra gente!" Sua voz era alta e estridente, o que fez Stan se encolher levemente. Ouviu os passos rápidos do amigo descerem a escada e irem direto para a porta e abrirem.

"Stan?? Mas o que..." Eddie franziu a sobrancelha e olhou para os lados, como se esperasse ver alguém mais junto do menino.

"Não é a comida, desculpe. Sou só eu." Deu de ombros e, em um movimento rápido, segurou no punho de Ed e o puxou para fora. "Precisamos conversar, vamos aqui pra fora rapidinho dar uma volta antes que fique tarde."

"Ahh?" Estava mais em dúvida do que parecia, engoliu seco e assentiu enquanto colocava a cabeça para dentro da casa antes de sair. Parecia ser algo sério. "Mamãe, eu já volto, é o Stan, ele veio me entregar o que eu esqueci na casa do Richie!" Houve uma resposta de volta, mas não foi ouvida porque ambos fecharam a porta e andaram em direção à esquina do quarteirão. Stanley estava nervoso, não parava de mexer nas próprias mãos e demorou um pouco para olhar para trás para encarar o menino. "Aconteceu alguma coisa, Stan? Você está muito esquisito..."

Por uma fração de segundo, Eddie soube do que isso tudo se tratava. Seu coração bateu mais rápido, não era possível que aquilo estava acontecendo. Richie não poderia ter contado, poderia? Ele estaria muito, mas muito encrencado se tivesse contado para Stan. Eddie iria pessoalmente até sua casa para bater e xingar mais do que ele poderia ter imaginado. Começou a ficar nervoso assim como Stanley estava, sua respiração perdeu o compasso e teve que piscar algumas vezes antes de começar a falar.

"Olha... Se você tiver vindo aqui porque o Richie te contou alguma coisa..." Começou a dizer, no entanto foi interrompido.

"Acho melhor eu falar primeiro, Eds." Stan se virou e esticou uma mão para fazê-lo pausar. Respirou fundo e começou. "Eddie, eu estou completamente apaixonado pelo Bill. Já faz mais de um ano, quase dois." Soltou o ar depois que falou isso. Era a única pessoa para quem havia dito, além de Richie, e achava que nunca falaria isso para ninguém, pois não haveria pessoa que entenderia. "Não faz tanto tempo quanto o Richie está apaixonado por você, na verdade ele começou a sentir alguma coisa faz mais de três anos, foi inclusive ele quem me ajudou no processo todo quando eu descobri o que eu sentia. Agora eu estou contando para você."

Stanley ignorou totalmente quando Eddie arregalou os olhos ao ouvir o pronunciamento, também o fez quando ele se encolheu um pouco ao ouvir novamente que Richie estava apaixonado há tanto tempo. Ignorou, da mesma forma, quando Eddie finalmente desviou o olhar para encarar o chão e se perder em pensamentos.

"Por que está me contando isso agora? Isso tudo, eu quero dizer?" O moreno perguntou.

"Porque eu e o Bill nos beijamos. Eu não quero dizer ontem na casa do Richie, não, no jogo de Verdade e Desafio... Eu quero dizer um beijo de verdade, com vontade própria, ele mesmo quis me beijar e nos beijamos hoje lá no clubinho." Estava começando a suar frio, mesmo que o vento gelado estivesse batendo em sua nuca. A chance daquilo tudo sair errado era muito grande, e mesmo assim continuava a falar. "Alguma coisa está rolando entre nós, Eddie, e agora que começou, não vai parar do nada. Eu não vou deixar parar, para ser sincero. Vou mais afundo, se puder, se o Bill quiser, é claro."

Eddie não conseguia acreditar. Estava muito chocado, sua cabeça não parecia processar tudo aquilo ao mesmo tempo. Stan e Bill... Tão improvável... E Bill ainda há poucos anos gostava de Beverly... O que estava acontecendo?

"Quer dizer que... Vocês dois... Vocês são..." Tentou falar, mas a palavra não parecia sair de sua garganta. Seus olhos correram a rua em sua volta, mas estava tão vazia quanto no momento em que chegaram ali. "Vocês são g-gays...?"

"Não quer dizer nada, Eddie." Stanley continuava tão firme quanto no momento que começara a falar. O medo ainda fazia parte de cada pulsação de seu coração, mas depois que as palavras saíram de sua boca, seu peito parecia cada vez mais leve. "Quer dizer que eu estou apaixonado por alguém e existe uma chance desse alguém gostar de mim, também. Não é uma coisa linda? Ouvir que uma pessoa te ama?" Franziu a sobrancelha para o amigo. Eddie sentiu o estômago revirar. "Bem, ao menos deveria ser maravilhoso saber que alguém está apaixonado por você."

"Você não entende. Não pode entender." Eddie balançou a cabeça freneticamente, o vento batia em seu cabelo e o fazia se esvoaçar.

"Como não posso, Eds? Eu sou um judeu que vem de família fervorosa, como você acha que eu me senti quando percebi que estava apaixonado pelo meu melhor amigo? Como você acha que eu me sinto até hoje, se não em conflito?" Stan se aproximou meio passo, os olhos fixos naquele do que estava perdido. "Eu sei como é a sensação de se achar sujo. De se achar doente. De achar que está contaminado e que será a condenação de todos os pecados do mundo. Mas não é bem assim."

"Como não é? Como eu vou saber se você não está errado? Eu não entendo o que estou sentindo..." Sua mão foi automaticamente para sua blusa, a apertou com força, como se pudesse arrancar o pano ali e, logo em baixo, arrancar sua própria pele para livrar-se da dor. "Por favor, só me fala um jeito de fazer isso sumir!"

"Não tem como sumir." Stan negou, mas de uma forma calma. "Só fica cada vez mais forte. Quanto mais você luta contra, mais cresce dentro de você. Tente sentir, quando estiver sozinho, deitado na cama, tomando banho, tente pensar nele e veja o que você sente. Só então, vai descobrir sozinho se é algo de verdade ou se é algo que você pode esquecer da noite para o dia. Porque o Richie não pôde, nem depois de três anos."

Eddie tinha os olhos cheios de lágrimas, uma mistura de frustração e confusão. Não sabia como começaria a pensar em Richie enquanto estava sozinho, sendo que todas as vezes que começava a pensar no amigo, tentava mudar o rumo dos pensamentos no mesmo instante. O que significaria se pensasse nele de verdade e com intensidade? Enfim, aceitou a proposta e assentiu para Stan, com determinação.

"Depois que pensar, acho que seria uma boa ideia se vocês dois ao menos conversassem, só para esclarecer as coisas. Se vão continuar do jeito que estão ou se... Talvez, quem sabe..." Deixou o resto no ar, dando de ombros. Stan encostou uma mão na cabeça de Eddie e bagunçou seu cabelo com cuidado. "Qualquer coisa eu estou aqui, Eds, pode contar comigo. Eu confio em você, você pode confiar em mim."

Eddie também assentiu, mas mais porque não sabia ao certo o que falar ou fazer. Viu o amigo dar as costas e atravessar a rua, indo embora. Não estava pronto para ir para casa, muito menos para enfrentar toda aquela verdade que acabara de receber e ouvir. O vento agora batia cada vez mais forte e o deixava mais gelado, no entanto ele não ligava. Só foi acordado de seu devaneio quando uma moto parou na frente de sua casa e buzinou duas vezes, indicando, assim, que a comida que sua mãe pedira havia finalmente chegado.

Só em noites do pijamaOnde histórias criam vida. Descubra agora