2.0 - Há males que vem para o bem

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Eu sempre me pegava voltando ao tópico homofobia, nunca entendi bem qual era a razão para descriminar alguém por estar sendo ele mesmo, e pior, por estar amando, como qualquer outro faria.

Geralmente, compartilhava minhas ideias com Liz, ou depois que a gente se afastou, com Amélia, que era a pessoa mais ativista socialmente que eu conhecia. Porém não sei se faria sentido ligar para uma amiga em um domingo apenas para lamentar o fato de ainda não ter se descoberto, e pior, não poder falar disso com ninguém por medo de qual seria a reação dessa pessoa.

Não era justo. O mundo não era justo. Aquele situação não era justa. Mas era como o mundo funcionava, e infelizmente eu não poderia mudar o pensamento de todos e o tornar um lugar mais amigável para as próximas gerações, por maior que fosse a minha vontade de tornar a terra um lugar melhor.

Pelo menos não sozinha.

– Não tem nada me incomodando, mamãe. Deve ser impressão sua. – respondo finalmente dona Rose, sorrindo fraco.

Ignorando completamente qualquer linha de raciocínio que possa ter montado até aquele momento, ignorando tudo dentro de mim que gritava para dizer algo. Mamãe provavelmente soube de cara que eu mentia, mas preferiu manter as aparências e ignorar sua intuição. A agradeci mentalmente por ser compreensiva, ainda que não soubesse o que se passava de fato.

Não era o melhor momento para dizer, e eu não estava preparada para isso, então o melhor, foi ignorar minha própria mente, que se culpava por ser assim tão fraca. Mas que culpa eu tinha de ter medo de me abrir demais e acabar dizendo mais do que deveria?

Era difícil ter que lidar com a vozinha que constantemente me dizia que estava mentindo para os meus pais, estava fingindo ser alguém diferente para eles e machucava ainda mais a ideia de machucar meus pais depois que as máscaras caíssem.

O restante do almoço se passou de forma tranquila, mas inda sim, mais silenciosa do que estava antes de meus próprios transes. Mas para ser sincera, perdi um pouco o interesse em prestar atenção no que estava acontecendo após me afogar em pensamentos. 

O modo stand by foi ligado, e nada mais que foi dito naquela conversa eu realmente absorvia e trazia aquilo para mim.

Mesmo não querendo incomodar nenhuma das minhas amigas no fim de semana, acabei ligando para Amélia perto das duas da tarde. Sairia para encontrar Rebeca às quatro e meia, e precisava de algo que me distraísse enquanto isso.

Eu estava mais nervosa do que deveria, e isso me irritava ao extremo. Não fazia algum sentido tal nervosismo apenas para conversar com uma amiga.

De Luca não odiou nem um pouco a ideia de eu conversar com a cacheada que tanto tomava meus pensamentos, pelo contrário na verdade, faltava pouco para que ela entrasse em combustão de tanta felicidade que parecia carregar em si.

Definitivamente eu não era a mais animada para aquele momento.

Enquanto Mélia tagarelava coisas incompreensíveis, me peguei pensando nas pessoas incríveis que encontrei no meio do caminho. Estava grata por ter Amélia e Lua para me amarem como sou, ainda que nem mesmo eu soubesse ainda quem esse alguém fosse, grata por amá-las de volta e ter permitido que elas entrassem na minha vida.

– Fui eu quem pedi por esse momento! – repetia animada ao telefone. – Pois nada me abala no dia de hoje, nem mesmo a situação caótica que esse país se encontra.

– Se você não está reclamando de política ou do Brasil em si, então realmente você está feliz. Feliz até demais, eu diria. – rebato rindo da frase da mesma.

– Não tem essa de "Feliz demais". – ela comenta tentando imitar meu tom de voz.

A tentativa foi completamente falha, diga-se de passagem. Mais parecia uma gralha engasgada do que a minha voz.

My version of us (romance sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora