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"Você acredita fácil nas coisas," Taehyung tinha dito em um dos primeiros encontros deles, a imagem já difusa na cabeça de Jungkook. Talvez tivesse sido num café perto da faculdade, ou no barzinho em Itaewon onde gostavam de ir beber. Tudo borrava depois de um tempo juntos como as manchas de tinta das pinturas das quais Tae gostava. Jungkook sempre tinha achado que havia algo mágico na forma com que as cores se misturavam quando eram jogadas na tela, como nebulosas, como eles dois. E mesmo se não lembrasse o local, ainda podia sentir o calor e a maciez daquele toque no lóbulo de sua orelha, enquanto Tae aprendia uma nova técnica para desarmá-lo após uma provocação.

Um brilho malandro reluzia no olhar dele, uma luz que se tornaria familiar. Ah, como ele se divertia com a ingenuidade do namorado que acreditava em qualquer história mirabolante sobre uma vida que ele nunca tinha vivido. Jungkook caia toda vez naquela época, pedindo que ele contasse mais sobre quando conheceu uma princesa, ou quando foi ator infantil, ou quando aprendeu a dirigir por conta própria até que Taehyung começasse a rir.

"Você tem vários dentro de você," Jungkook tinha dito em um dos seus encontros mais recentes, um daqueles eventos raros na vida de casais que já moravam juntos há muito tempo quando ver o rosto do outro deixa de ser um momento especial. Mas não deixava de ser um momento apreciado. Jungkook poderia viver 100 anos com Taehyung e mesmo assim não pararia de admirar o homem que amava. De se impressionar com aquela estrela que tinha caído na terra e com a sua sorte de tê-la pego em suas mãos.

Mas nem os charmes de Taehyung o faziam se enganar mais com suas mentirinhas bobas. Depois de tanto tempo juntos, seus ouvidos ficaram afinados para a frequência das vozes dos personagens, escutando o riso que se escondia ali. Sua visão já percebia nos olhos de Taehyung a verdade que sua expressão mascarava, um talento do qual se orgulhava. Taehyung desvendaria os segredos do universo, mas Jungkook queria ser o único capaz de desvendar Taehyung. Ou era o que pensava. Nem imaginava que só tinha arranhado a superfície.

Era uma ingenuidade pensar que poderia conhecer inteiramente alguém, ingenuidade que lhe perseguia na vida. Costumava achar que aquela predisposição para acreditar fosse herdada de seu pai. Em vez de contos de fadas, Jungkook ouvia sobre um universo misterioso antes de dormir que lhe parecia tão mágico quanto. O astrofísico falava com a certeza de alguém que tivesse caminhado toda a sua extensão, sempre olhando para o que não se enxergava e que Jungkook mal conseguia imaginar. Era até engraçado que uma pessoa que mal tocava o chão tivesse se casado com uma bióloga, a mãe de Jungkook, sempre tão adepta dos sentidos, de testar, observar, categorizar. Ela o levava para investigar o jardim e o bosque perto de casa, ou então para procurar as pequenas formas de vida na areia esquentada pelo sol de verão.

Jungkook não foi cientista. Não tinha a necessidade de entender ou explicar tudo, tampouco de esticar e esticar seus pensamentos para compreender o universo grande demais de seu pai. Mas talvez, algum observador externo que fosse julgar o resultado daquela disputa familiar diria que mamãe venceu. Jungkook gostava de ver, de tocar, de explorar.

Gostou mais ainda quando encontrou Taehyung. A primeira vez em que o viu foi na cozinha de sua casa, enquanto Taehyung aguardava para conversar com seu pai sobre sua pesquisa. Desde aquele momento, Jungkook foi tomado por um desespero de contato com sua pele, criando olhos nos dedos. Não bastava ver Taehyung, queria estudar cada ponto daquele corpo com mais afinco do que tinha estudado qualquer outra coisa na vida. Categorizou cada um de seus sons e expressões, observou todas as suas pintinhas, aprendeu todos os seus hábitos, descobriu todas as suas cicatrizes. Era pós doutorado em Kim Taehyung.

Dentre todas as fantasias, a maior na qual ele se permitia acreditar era que entre ele e Taehyung existia um fiozinho invisível, porém dito ser vermelho por alguém sortudo o suficiente para ver o seu e afirmar. Um fiozinho que não podia enxergar, mas podia sentir, fosse a qualquer distância, a qualquer momento. Sentia a angústia de se juntar com sua outra ponta toda vez que se distanciavam, como se fossem um plano unidimensional que só poderia existir em um único ponto. Sentia o repuxo da água do mar em dia de ressaca e voltava, sempre voltava para coexistir no pontinho de Taehyung, mesmo quando não achava que fosse voltar. Tocava Taehyung com o corpo que sua mãe lhe dera e os átomos do qual seu pai falava. Se entrelaçava na alma que Taehyung lhe mostrara.

Porque esta é a minha última vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora