CAPÍTULO 1

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Olga esperava no corredor.  A porta de madeira estava fechada, mas era possível ouvir as vozes vindo de dentro da sala. Não era possível distinguir o que estava sendo dito, porém, pelo tom das vozes, parecia ser algo sério. Estava apreensiva, tinha sido chamada para algo urgente. Adam aparecera no café onde Olga trabalhava ofegante, seu terno todo desarrumado e apenas um aviso: "Hans a espera". Olga largou tudo, com certeza seria demitida por ter quebrado todas as xícaras de sua bandeja e jogar o avental na mesa cheia de homens tendo uma reunião. Porém isso não importava para ela. Desde que começou a trabalhar para Hans, sabia que aquela era sua prioridade. "Quando eu precisar de você, você estará aqui", as palavras de quando haviam feito o acordo ressonavam em sua mente enquanto corria para a casa. Se arrependia de ter se envolvido com a equipe de Hans, estava em uma época de crise e não tinha outra saída. Com a posse dos nazistas, ela precisava da proteção que lhes ofereceram em troca. Uma mulher judia não tinha saído da Alemanha.

A porta em sua frente se abriu e um homem alto de cabelos pretos saiu da sala. Seu rosto estava plácido, mas o cabelo bagunçado e a gravata solta apontaram para ela que a conversa não havia sido tranquila. "Hans pede por sua presença", a voz áspera e grossa a avisou. Sem olhar para trás, Olga entrou.

"Ah, minha querida Olga", Hans a cumprimentou por trás da mesa de seu escritório. As cortinas pesadas estavam fechadas, mesmo a manhã estando tão nublada que poderia ser confundida com o entardecer. As velas acesas traziam um ar ainda mais pesado à sala e ela sabia que não voltaria para o café naquele dia. "Sente-se, sente-se".

"Qual é o serviço, Hans?" 

"Não queria chamá-la aqui sem um sobreaviso, mas temos algo urgente para resolver e precisamos de seus serviços."

"Pensei que havia outras mulheres aqui para satisfazer suas necessidades"

"Elas já estão em ação", ele disse dirigindo seu olhar para a porta à sua direita, onde seu quarto se encontrava. Olga o olhou com desgosto. "Mas o que preciso de você não tem relação com meus prazeres sexuais."

Olga sabia desde o começo que não havia sido chamada lá para isso, mas não pode deixar de se sentir aliviada por não precisar dormir com o homem. O corpo desgastado da meia idade e os poucos cabelos ruivos cobrindo sua cabeça não a deixaram nada animada. Sentiu pena das mulheres do outro lado.

"O que precisa?", ela perguntou.

"Olga, a senhorita sabe como aprecio muito suas habilidades como membro da Internacional Comunista. Por isso, tenho este trabalho de extrema importância para lhe dar. Bem, Luís, o homem lá fora, é um foragido do Brasil. Ele foi o responsável por organizar uma luta armada contra o governo brasileiro. Ele fazia parte do exército e por ter desertado sem nenhuma justificativa agora está sendo procurado. O problema é que o senhor precisa voltar para seu país de origem por fins pessoais e, por ele fazer parte de nossa organização, decidi que o melhor a se fazer é mandá-lo com um acompanhante que garantirá sua segurança."

"Eu serei a segurança?"

"Isso mesmo."

"E o que eu ganho com isso?"

"A senhorita trabalha para o Internacional Comunista . Aceitando a proposta, poderá expandir nossa organização para solos internacionais. E não esqueça de que ainda possui a dívida a pagar."

"Quantas pessoas tenho que juntar para que a dívida seja financiada?"

"O suficiente para fazer uma revolução."

"Uma revolução?!" Ela exclamou surpresa, talvez aquela dívida nunca seria paga.

"Curiosamente, Luís teve a mesma reação que a senhorita. Ficou um pouco mais exaltado, como deve ter reparado, mas cedeu aos nossos requisitos."

"E se não conseguirmos?"

"Então os dois terão suas dívidas triplicadas."

Olga o encarou. Seria um grande preço a se pagar. Apesar de apoiar o comunismo e querer derrubar as autoridades capitalistas, ela não sabia se teria a capacidade de tentar uma revolução. Porém, seria uma boa oportunidade fugir das forças nazistas alemãs, seus pais já tinham sidos levados para os campos de concentração quando ela resolveu se envolver com os Schwabings e viver com uma identidade falsa.

"Seu navio sai em uma hora", Hans declarou com tom definitivo. "Luís a atualizará com todas as outras informações. Agora, se não se importa, preciso atender uma outra reunião."

Esse era o fim da conversa. Olga se levantou e estendeu a mão para Hans. Chacoalhou-a e saiu da sala. Pôde ouvir o homem se dirigir até o quarto. "É hora de festa, garotas!" e fechou a porta.

Luís a esperava do lado de fora. Olga parou e o observou. Seu semblante estava calmo e ele a olhou com um olhar penetrante, seus olhos percorrendo toda a extensão de seu corpo. 

"Prazer, Olga Baneário", ela estendeu o braço, querendo desviar o olhar do homem para outro lugar além de seu corpo. 

"Luís Carlo Prestes", ele segurou a sua mão e fez menção de beijar seu dorso. Seria aquele um modo brasileiro de cumprimentar as mulheres? 

"O que está fazendo?", Olga perguntou, tirando sua mão antes que encostasse na boca do recém-conhecido.

"Sendo cortês", ele voltou a olhá-la com um olhar penetrante. "Não sabe que somos casados?"

"Como?"

"Estaremos visitando minha suposta família no Rio de Janeiro. Você será minha esposa alemã," retirou uma pasta de seu casaco. "Aqui," disse estendendo-a para ela.

Olga a pegou e retirou de dentro um falso certificado de casamento no nome de Jorge e Katharine Pires. Preso em um clipes na mesma folha, havia duas identidades falsas. 

"Não acredito nisso", ela disse balançando a cabeça. Nunca havia visto Luís em sua vida e agora teria de ser a sua esposa. Lembrou-se do porquê estava fazendo aquilo e resolveu não confrontá-lo, Hans sabia o que estava fazendo. "Melhor eu cuidar disso, sou sua segurança a final de contas," ela disse buscando sua bolsa, mas percebendo, logo em seguida, que não havia a pegado ao sair do café correndo. 

"Eu sou seu marido, devo tomar conta dos nossos pertences," e retirou a pasta de suas mãos, guardando-a de volta em seu casaco. 

Barulhos começaram a ecoar pelo corredor. Vinham do quarto de Hans. Os dois se entreolharam, precisavam sair dali o mais rápido possível. 

"Não temos muito tempo, possui algum pertence a qual precisamos pegar?"

"Nada que seja de valor", ela respondeu. Seu mais caro pertence estava em seu pescoço. Um colar de ouro dado pelos seus pais quando completou 15 anos.

"Hans pediu para que a empregada nos organizasse uma mala com algumas trocas de roupas," ele apontou para uma pequena bolsa no chão, próxima a porta de entrada. "Se iremos entrar no Brasil ilegalmente, é melhor que nos disfarcemos da melhor maneira."


OLGA E PRESTESWhere stories live. Discover now