O mar azul começava a dominar a paisagem. Olga assistia o porto enquanto se tornava um pequeno ponto no horizonte. Luís estava ao seu lado, apoiado na mureta. Parecia cansado. Sua cabeça estava caída e seus cabelos pretos lhe cobriam face. Não haviam falado nada desde que saíram da sede da Internacional Comunista, ambos estavam imersos em seus próprios pensamentos, tentando descobrir como cumpririam tal requisito exigido por Hans.
Chegariam ao Brasil em um mês. O navio seria sua nova moradia. Olga largara tudo que conhecia para proteger o homem. Sabia que era um trabalho importante e que, se tudo fosse de acordo com o plano, ela e seus parceiros teriam dado o primeiro passo para conquistar a igualdade em todo o mundo, mas a dor em seu peito parecia aumentar a cada metro navegado. Tinha deixado tudo o que conhecia para trás, amava Berlin e havia passado os 23 anos de sua vida ali. Não tinha família, mas todas as suas lembranças de uma estavam ali.
Olga resolveu que deveria fugir dos pensamentos ruins. Não havia o porquê sofrer por coisas passadas. Virou sua cabeça para observar seu companheiro de viagem. Seus olhos estavam distantes no horizonte. Os dois estavam esperando seu quarto ficar pronto para poderem se acomodar e a esperava deixava Olga cada vez mais ansiosa. Queria se distrair.
"Há quanto tempo está foragido?" Ela perguntou. Luís foi tirado de seus pensamentos abruptamente e pareceu se assustar com a repentina voz.
"Há pouco mais de um ano," ele virou o rosto em sua direção. "E a senhorita?"
"Não sou uma foragida."
"Judia?" Ele perguntou.
"Sim."
"Família?"
"Fui a única que conseguiu escapar". Ela voltou a olhar para o mar. Não queria ter que reviver os momentos mais aterrorizantes de sua vida.
"Sinto muito," a voz do homem carregava certa dose de compaixão. "Não terá que temê-los quando chegarmos no Brasil."
"Como pode ter tanta certeza?"
"Não vou permitir."
"Somos comunistas," ela o olhou de forma cansada. "Vamos sofrer as punições da mesma forma se formos pegos."
"Não seremos pegos. Agiremos discretamente enquanto nos passamos por um casal burguês, ninguém desconfiará."
"Casal burguês? Não lembro de isso estar no acordo."
"Bem, eu mesmo acrescentei essa parte," ele sorriu e olhou para seu relógio. "Acho que nosso quarto já está pronto," se afastou da mureta e estendeu o braço para que Olga o segurasse. A mulher ignorou-o e começou a andar em direção ao corredor. "Feministas," Luís murmurou, e começou a segui-la.
-----
"Sabe, quando disse que teríamos que nos passar por burgueses, não pensei que estava falando sério." Olga admirava o quarto na primeira classe do navio. As paredes eram forradas com papel de parede e até mesmo uma lareira se encontrava na parede oposta a cama. Ah, sim. A cama. Apenas uma, de casal, no meio do gigantesco quarto.
"Eu sempre falo sério," Luís disse, pegando a bagagem e levando-a até a cômoda. "Olhe pelo lado bom, não teremos que dividir o banheiro com os outros ratos burgueses desse navio," ele apontou a cabeça para a porta ao lado da lareira, onde era possível ver uma banheira.
"Ainda terei que dividi-lo com você," ela disse, indo em direção ao armário. "Olhe isso, até as maçanetas do armário são feitas de ouro. Quantas pessoas poderiam se beneficiar delas..."
"Se pensarmos como somos, não iremos aproveitar a viagem."
"Não consigo pensar de outra forma," ela virou para encará-lo. "Temos tantas riquezas em um único cômodo, enquanto tem gente que está lá embaixo, perto da caldeira, com um quarto minúsculo e apenas uma cama de solteiro para três pessoas. Esse navio é a própria representação da sociedade."
"Devemos nos manter no papel. Eu também me sinto mal por estar aqui, não estou confortável com nada disso, mas se não quisermos ser pegos, é o que precisamos fazer."
"Mas.."
"Não, sem 'mas', Olga," agora ele estava em sua frente, seus olhos escuros encaravam-na profundamente. "Nós vamos viver assim por um mês e vamos chegar ao Brasil. Vamos fazer aquela revolução. A senhorita ainda terá tudo o que quer."
Luís estava estava certo, Olga pensou. Não havia razão para reclamar de algo que não podia ser mudado, pelo menos não naquele momento. Respirou fundo e desviou seu olhar para a cama. A única cama.
"Não vou dormir com você," ela suspirou e se dirigiu à cômoda para pegar uma troca de roupas. Se sentia suja depois de horas em pé na fila para entrar no navio, suas roupas grudavam de forma incômoda em seu corpo. Além disso, um banho acalmaria seu espírito.
"Este é um trabalho estritamente profissional," ele disse. Apesar de não poder vê-lo, podia sentir o sorriso em sua voz. "Eu sou um homem profissional."
"Não foi o que eu quis dizer," ela se virou, segurando um vestido de seda. "Não vou me deitar na cama com você."
"Não precisamos fazer nada na cama," ele sorriu maliciosamente.
"Você é um porco."
"Posso arranjar um colchão para a senhorita se é de seu agrado."
"Achei que você era cortês," ela começou a se dirigir ao
banheiro, mas foi interrompida pelo braço de Luís, que bloqueou a entrada. Olga se assustou com a proximidade a qual parara do homem."O que está fazendo?", ela deu um passo para trás.
"Mostrando-a minha cordialidade," ele se aproximou e pegou a roupa de seus braços. Seus olhos estavam grudados nos lábios de Olga, e ela não pôde deixar de sentir a temperatura do cômodo aumentar quando as mãos do homem roçaram seus dedos delicadamente.
Luís se afastou e colocou a roupa na pia. "Pronto, madame," fez uma reverência. Olga estava parada em choque. O que havia acontecido?
"Obrigada," conseguiu dizer, entrando no cômodo enquanto ele saía. "E saiba que não é isso que vai me levar para a sua cama", disse finalmente se recuperando, tentando provar para seu colega e para si mesma de que ele não a afetou de nenhuma forma.
YOU ARE READING
OLGA E PRESTES
FanfictionDois desconhecidos em uma missão. Casamento fake? O que vai acontecer?