Conto I: A Estação

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Lúcia estava aguardando o trem das 22 horas. A estação estava praticamente deserta. Lúcia estava sentada em um dos bancos da parte de dentro, onde era iluminada por uma forte luz branca. Seguindo pela direita chegaríamos próximos aos trilhos onde é o embarque e desembarque de passageiros.

Ela esperava pelo trem do lado de dentro, pois estava tremendamente escuro lá fora, como se não houvesse mais nem uma luz, exceto pela forte luz de dentro da estação. Ela esperava inquieta, batendo os pés no chão sem parar. O barulho de seus sapatos ao bater no chão criava um eco não muito alto, mas o bastante para ser ouvido aos arredores. Estava um pouco nervosa, torcendo para que o trem chegasse logo. Um pouco de medo estava estampado em seu rosto branco, seus olhos verdes aflitos olhando para todos os lados, mas não via nada do lado de fora devido a escuridão. Às vezes uma brisa mais forte entrava e balançava seus cabelos ruivos que pareciam correr de modo do qual ela gostaria de fazê-lo.

De repente ela parou de bater os pés e de olhar para os lados inquieta; um pensamento surgiu em sua mente “como foi que...”. Então ao olhar para os lados novamente, ela viu um homem, ele estava sentado mais a frente, mas como não o viu antes? Não tinha como ela não o ver chegando e também ouviria seus passos. Se ele já estivesse lá, ela o teria visto, não teria? Para tentar se acalmar preferiu acreditar que apenas não o tinha percebido ali. Devido a forte luz era fácil de vê-lo. Estava usando roupas velhas, um casaco verde escuro (quase preto), calças das mesma cor, usava luvas pretas (provavelmente de lã), sapatos pretos, o rosto barbudo aparentando ter seus cinquenta e poucos.

Após um tempo olhando para ele, Lúcia começou a acreditar que ele fosse um sem-teto e que provavelmente iria passar a noite na estação. A presença dele passou a conforta-la um pouco, ela tinha pena dos “sem-teto” e nunca os viram como ameaça, mas ele era um homem...

Ela voltou a ficar atenta aos arredores, mas não deixando de olhar para o homem as vezes. Por um pequeno descuido enquanto olhava para o outro lado, ela não viu que o homem havia levantado e estava andando em sua direção. Quando olhou para ele novamente já estava bem perto, ela pensou em se levantar e correr, mas a escuridão lá fora assustava mais que o homem, talvez ele não fosse perigoso (apenas talvez), não sabia o que fazer. Ficou parada, decidiu mostrar que não tinha medo e ficar firme (apesar de não ser nem um pouco verdade).

O homem agora mais perto estava diferente, não era tão velho quanto parecia (pelo contrário), não parecia ter mais de vinte e cinco anos, talvez até menos. Não tinha casaco e sim uma jaqueta preta, calças jeans escuras e tênis “All Star” pretos. Seu rosto era agradável e jovial (ele era bonito sim), olhos castanhos e cabelos pretos curtos, não havia barba alguma. Sua sombra negra parecia bem maior que o corpo (provavelmente por causa da luz), ela estava mais corpulenta e algumas partes pareciam não corresponder com seu dono.

O garoto se sentou ao lado de Lúcia que tentava parecer o mais calma possível, perante aquela situação extremamente tensa.

- Boa noite senhora. – Disse o garoto, sua voz era bem agradável. – Desculpe se estou incomodando. – Ela fez um “não” com a cabeça dizendo que estava tudo bem. – Eu não tinha notado a senhora e quando percebi decidir vir aqui, pois esse lugar é muito assustador essa hora... Não tem quase ninguém passando por aqui. – Ele fez uma pausa e meio sem graça continuou. – Talvez a presença um do outro deixe esse lugar menos assustador.

Lúcia deu um sorriso quase que por obrigação, estava muito desconfortável e assustada, não sabia se devia confiar no garoto.

- A senhora vai pegar o trem das dez? – Perguntou o garoto.

- Sim, eu vou para... – De repente ela não soube como terminar a frase e aquele pensamento voltou “como foi que...”.

- O trem provavelmente já deve estar chegando. – Disse a interrompendo. – Eu nunca tinha reparado o quanto é escuro fora da estação...

- Sim... É um tanto quanto desconfortável ficar olhando para fora e não ver nada.

O garoto não falou mais nada, ficou olhando para a escuridão com os olhos cerrados, como se estivesse fazendo força para enxergar. Ela olhou na mesma direção, mas não conseguiu ver nada apenas a ausência de tudo.

- Verdade! – Disse o garoto de repente. – É desconfortável olhar e não ver nada!

- O senhor sabe que horas são? – Perguntou Lúcia. – Eu não tenho relógio.

- Infelizmente não sei, também não possuo relógio, mas já deve estar quase na hora. – Sua voz agora mudou um pouco, não parecia tão jovial quanto antes, como se sua voz tivesse envelhecido um pouco.

“Você já disse isso”, pensou Lúcia. Ele provavelmente estava tão perdido quanto ela. Mas ao mesmo tempo parecia saber de algo que ela não sabia, estava tão calmo (podia esta fingindo), se estivesse fingindo ele é mil vezes melhor do que ela. Quando olhou para ele para dizer algo, ela percebeu que seus olhos eram azuis e não castanhos como virá antes, mas como? Devia ser a luz, pois tinha certeza de que eram castanhos. Acabou não dizendo nada e nem percebeu que o encarava fixamente.

- Desculpa? – Desse ele. – A senhora quer me dizer alguma coisa? – A última palavra saiu com um tom diferente, mais grave.

- Nada! – Disse virando o rosto. – Estava apenas olhando para a cabine de passagens... Ela fica atrás de você... Só isso...

Para disfarçar ela realmente olhou e percebeu que ela estava fechada, luzes apagadas, totalmente no escuro. Não tinha ninguém ali e provavelmente não havia ninguém há algum tempo. Ela não estava conseguindo lembrar-se de quando comprou a passagem, assustada pegou sua bolsa marrom que estava ao seu lado no banco e começou a procurar pela passagem.

- Está tudo bem? – Perguntou o garoto.

Ao olhar para responder ela quase gritou de susto. Ele estava sem camisa, havia cortes em seu abdômen que pareciam recentes, pois sangravam tanto que escorria para a cintura e molhava as calças. Seus olhos mudaram de novo, o direito estava verde e o esquerdo estava deixando de ser azul para também ficar verde e mudou enquanto ela olhava.

- Meu Deus! – Disse ela se afastando um pouco. – Eu é quem pergunto se está tudo bem...

- Estou ótimo! – Sua voz oscilava entre o agradável e o estranhamente indescritível.

- O seu corpo... – Ela estava gaguejando devido ao espanto. – Vo-você está... Está machucado... E-e muito!

- Isso não é nada senhora, supernormal! – Sua voz continuava a oscilar, mas ele estava bem calmo. – Fique calma, já está quase na hora.

Não tinha como ela se acalmar, estava assustada demais e até confusa. Se levantou, pegou sua bolça e ficou parada por alguns segundos. Foi nesse momento que a luz se apagou, ela gritou muito e bem alto. O rapaz pareceu se levantar, ela não conseguia ver, ele colocou as mãos em seus ombros e começou a dizer para ela se acalmar, mas agora sua voz não oscilava mais, estava do pior jeito possível ( ou impossível). A luz voltou. Ela estava com a cabeça abaixada olhando para as pernas dele e o chão, pois ele estava em pé com as mãos nos ombros dela, ela então percebeu que ele não tinha mais sombra alguma. Estava com medo de levantar a cabeça para olhar seu rosto, sabia que estava diferente agora. Relutou um pouco, mas fez e se arrependeu.

Seu rosto estava desfigurado. Os cantos de sua boca foram rasgados até as orelhas o deixando com um sorriso horrendo. Sangue escorria de seu sorriso formando uma poça no chão. Havia mais cortes em seu abdômen e estavam maiores do que ela se lembrava. E por fim seus olhos estavam totalmente brancos, sem brilho, sem vida. Aquele belo garoto havia se transformado em uma criatura horrível.

Com o susto daquela imagem ela se jogou no chão na esperança de se afastar daquela coisa.

- Se acalme Lúcia... – Disse a criatura. – Seu trem já está chegando.

Lúcia não conseguia dizer nada, apenas gritava para ele sair de perto dela. Estava tão assustada que nem percebeu que ele a chamou pelo nome. Criou um pouco de coragem e se levantou, começou a correr em direção a escuridão...

- Se eu fosse você não iria por ai, é muito perigoso Lúcia!

Ela ignorou completamente seu aviso e entrou na escuridão.

Não se via nada lá, apenas ao olhar para trás quando se via a estação iluminada pela forte luz branca. Ao perceber que ele não estava atrás dela, ela parou. Percebeu que a escuridão estava em toda parte e não tinha nada além da estação. Ela quase caiu ao olhar para baixo, pois não conseguia ver onde pisava, começou a crer que não tinha mais chão. Começou a andar de costas meio cambaleante com medo de cair naquele vazio. Tropeçou em seu próprio pé e caiu, colocou as mãos no chão, sentiu o gelado, mas ao mesmo tempo não conseguia identificar se era terra, piso, pedra ou o que fosse... Não iria para lugar algum sem o trem.

Enquanto voltava o pensamento também voltou “Como foi que eu vim parar nesse lugar?”. Ela não tinha a resposta, não lembrava nem de como pegou a passagem... A passagem! Começou a procurar em sua bolsa enquanto andava devagar, podia ter alguma dica. Achou.

“Trem das 22h. Ida”

Era uma passagem só de ida e fora isso não tinha mais informações. “Será se eu morri?”. Talvez estivesse no limbo... Bobagem, essas coisas não existem...

Voltou para a estação. A criatura estava no mesmo lugar, havia mais sangue no chão agora, mas ele pareceu nem ter se movido.

- Voltou rápido.

- O que está acontecendo? – Perguntou Lúcia gritando. – O que você quer de mim?

- Apenas companhia, enquanto te espero pegar o trem.

- Para onde vai esse maldito trem? Por quê ele nunca chega?

- Como assim? Ele está quase chegando!

- Você diz isso já faz muito tempo! – Ela estava ficando impaciente. Sim ainda tinha medo, mas a ausência de respostas e sentido estava a deixando irritada. – Não tem nada além desse lugar, apenas escuri...

- Os trilhos, apenas os trilhos. – Disse a interrompendo. – Mas apenas o maquinista os vê, nem mesmo eu os vejo.

Antes que ela pudesse falar qualquer coisa a buzina do trem começou a soar, antes que ela pudesse se virar para vê-lo, o trem já estava na plataforma.

- Ele chegou! – Disse a criatura alegremente. – Faça uma boa viagem senhora! – Disse acenando com a mão direita.

Confusa e extasiada ela se aproximou do trem na plataforma. O trem tinha varias cabines. Era todo de metal, mas estava alaranjado devido a tanta ferrugem. A porta da cabine que ela estava em frente se abriu e só se via a escuridão idêntica a dos arredores da estação.

- Pode entrar sem medo. – Disse a criatura que chegou logo atrás dela. – Todos tem uma viajem para fazer e o seu trem acabou de chegar!

Sem pensar muito (pois tinha medo do que isso poderia causar) ela começou a caminhar em direção a entrada da cabine. Não tinha o que olhar além da estação, não tinha a quem se despedir além daquele ser cuja intenção ela não fazia ideia. Entrou e sumiu em meio ao escuro, a porta fechou e o trem partiu deixando para trás aquele lugar. A luz apagou e ele ficou, bem ali apenas esperando...



A Estação/O TremOnde histórias criam vida. Descubra agora