O que eu fiz?
Eu tentei ajudá-lo?
O cheiro das flores brancas enroladas numa fita amarela incomodava o olfato congestionado, era forte e enjoativo, um contraste nada certo com as pétalas bonitas. Parecia esquisito estar carregando um maço bem arrumado de flores, antes nunca lhe ocorreu estar indo dar algo do tipo a alguém, porém, recorreu a isso na busca de paz de espírito e um pesar menor no peito.
O dia amanheceu chuvoso, então não havia pessoas no cemitério a não ser o porteiro, e agradeceu por isso ao ajeitar as flores num vasinho pequeno, ninguém a veria ali em um estado lastimável de luto, parecendo fazer mais parte da garoa gelada do que as nuvens cinzentas do céu. As gotículas tristes uniam-se às gotas salgadas no rosto, deslizando pela epiderme e se perdendo na gola do uniforme escolar.
Neste exato horário, ambos deveriam estar na escola.
Deveriam, entretanto, nunca mais desejava colocar os pés no lugar responsável por tirá-lo a vida, não as salas de aula, mas os alunos, os professores, si mesma.
Por quê?
O viu solitário todas as manhãs, o viu sendo empurrado por um grupo de garotos, o viu apanhar tanto que ele chegou a perder os sentidos, então, qual foi a sua atitude diante disso?
Yoshino Junpei não fazia parte das paredes para ignorar que o estavam matando aos poucos.
Queria tê-lo ajudado, deveria ter insistido para que o professor tomasse providências, um aluno era vítima de bullying pesado, e ninguém fazia absolutamente nada, ninguém se importava.
Também pertencia a esse grupo intitulado ninguém?
Limpou as gotas de chuva da pequena foto oval de Yoshino Junpei no túmulo. Uma vida se foi e não sabia como reagir, nunca mais teria a oportunidade de fazer algo para ajudá-lo. Quando teve a chance, nada foi feito.
Agora, para quem o dedo da culpa será apontado? Para os professores? Para os alunos que viam e davam de ombros? Quem? Quem levará a culpa disso? Quem irá carregar a culpa da morte de Junpei?
Fungou, tendo dificuldade para absorver oxigênio devido as vias nasais estarem entupidas de tanto se entregar ao choro, a garoa deu uma breve engrossada e o uniforme branco começava a grudar no corpo, mas a mente se mantinha alheia a isso, atenção fixa nas flores brancas sendo bombardeadas pela água e ventos frios.
— Eu deveria ter feito... algo. — A voz saiu um engasgo seco, memórias de Yoshino percorrendo a mente.
Era apenas um aluno, apenas uma pessoa que vivia no próprio canto. Por que ele? Por que logo ele que nunca fez nada de mal?
Agora só resta os porquês e os se.
Se tivesse feito isso, se tivesse tido coragem para entrar no meio daqueles valentões, mesmo sendo alguém fraco, se tivesse procurado ajuda em outro lugar, pedido socorro até a garganta falhar. Todavia, não restava mais nada.
Esse era o fim, um fim que teria que engolir por mais inaceitável que fosse.
Virou-se, pronta para ir embora quando deu de cara com um garoto, o analisou brevemente para saber se o conhecia, e assim que concluiu que não, deu um leve aceno em cumprimento, ele segurava um maço de flores brancas iguais às que trouxe.
— Junpei? — questionou ele, bastando apenas a citação do nome para que a cabeça doesse.
— Você é...?
— Itadori Yuuji, eu e Junpei éramos amigos — revelou, a fazendo reviver sessões de espancamento e outras torturas dirigidas a Yoshino, porém esse garoto não parecia ter o perfil de uma pessoa que ergueria um dedo para machucar outros, não parecia estar mentindo.
Então, Junpei possuía um amigo?
Que bom.
Os olhos encheram-se de novas lágrimas, cada uma escorrendo junto às gotas da garoa que ainda caía, cujo molhava seu rosto e salpicava os cabelos róseos de Yuuji.
Espero que você tenha dado muitos sorrisos com seu amigo, Junpei.
Eu espero que você tenha se sentido feliz.
— Você e ele eram amigos também? — perguntou Itadori, o tom de voz contendo algo que se absteve de tentar saber, porque doeu, uma dor lancinante.
Amigos?
Quase riu, o qual seria uma risada puramente amarga de desgosto.
— Não. — Caminhou a passos curtos na direção da entrada do cemitério, passando pelo taciturno Itadori. — Sou apenas uma pessoa que poderia ter feito algo por ele, mas que no fim, não fez absolutamente nada.
Era mais correto chamá-la de telespectadora inútil.
Aqueles que assistem sem fazer nada são tão culpados quanto aqueles que o fazem, e essa culpa sempre pesaria em seus ombros.
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Para quem se aponta o dedo?
FanficA culpa pesa quando tudo acaba e não se pode fazer mais nada.