O nome é Rio de Janeiro, a vênus do novo mundo, a tão aclamada, acalentada, falada e debatida cidade maravilhosa. A mãe do continente verde e amarelo, o pai da boa cultura. A cidade que guarda sob os cílios um olhar ofuscante, mas ao mesmo tempo que estende a mão ofertando a beleza imaculada de sua gênese, ergue a outra esbanjando seu lado humano; sua insegurança; seus sonhos; suas inspirações.
O leitor que procura o Rio vê a beleza, o leitor que vê a beleza, vê Paris. O autor não explicita sua apreciação pelo pai da liberdade, da voz, da revolução, a mãe de Voltaire e o túmulo de Diderot. O que queremos dizer é que, muito do que se tem da beleza do Rio, nos dias passados, veio transportada pela mente de muitos viajantes, pois antes de Rio ser Rio, era, em sonhos e na consciência, El Dorado.
Nesse momento em que narramos, em 1903, cinco meses após a decisão do novo prefeito do Rio de Janeiro, a cidade borbulhava de imigrantes europeus, línguas inglesas e culturas que vinham transportadas em malas e bolsas. O Rio se exaltava num monte cujo o pico se aplainava para acomodar sobe medida a majestosa cidade. Todos os olhos se voltavam para a nova grande cidade da cultura, do amor, da bossa nova, das descobertas, do inusitado, da euforia, da vida e do modo acalentador e romântico de viver.
O autor romantiza a antiga capital, mas enquanto isso, as opiniões na Europa ferviam. Alguns aventureiros poderiam concordar com as afirmações românticas, já outros, jurariam pelos céus e terras que nunca ousariam pisar a sola dos sapatos neste solo tão falado. Os boatos que se desmanchavam sobe a sombra da antiga Capital eram dos piores.
— Cidade do lixo — Diria o bibliotecário de Paris.
— Uma ilusão! — O cético jovem irlandês pronunciaria em alta voz.
— Cidade maravilhosa? Rio de Janeiro, a cidade da febre amarela e onde os ratos festejam — Gritavam os jornais londrinos.
Caso o leitor se permita, verá que, se procurar um pouco mais a fundo, encontrará diversos dizeres sobre a imagem do Brasil aos olhos do velho mundo. Encontrará os mais diversos insultos e adjetivos. Encontrará, até no túmulo de agentes de viagem, os seguintes dizeres "Voe para Buenos Aires, sem passar pelo Brasil!".
A palavra mais forte, a voz mais verdadeira, que poderia enfim dissertar sobre a caçula das cidades maravilhosas, talvez não viria dos lábios de Portugal, ou da França, Inglaterra, Irlanda ou Itália. Não precisamos que isto seja contado com o sotaque europeu de que o mundo já está tão acostumado. Não, a verdadeira dissertação, a mais profunda e mais verossímil, sobre o Rio de Janeiro, deverá vir do Rio de Janeiro.
Por isso não contamos está história pelos olhos dos novos poderes do Rio, dos grandes faladores da Capital, nem dos mais ricos do país. As lentes serão passadas para um lugar, na capital do Rio de Janeiro, onde o comércio, a arte, a religião, a língua e a vida convergem numa valsa pura e agridoce. O leitor iniciará seus passos na praça Mauá, porto de grandes embarcações, caminhará pela renomada e tão lembrada Rio Branco, enxergará a cultura entalhada em pedras leitosas nos prédios e a arte se elevando sobre os pilares da Biblioteca, e então tornará a virar para a esquerda, na Alfândega, que margeia a tão bem falada igreja Candelária. Ao seus arredores encontrará uma estreita rua, talvez apenas 7 metros de um lado ao outro, e então é aqui que ficará, na Jorge Eugênio, rua tão apertada e tão comum como todas as outras.Uma rua sem saída, cercada por prédios de no máximo três andares, alguns comerciais e outros, residenciais. Aqui, nesta rua tão apertada onde o sol mal ilumina, vive uma vizinhança comum e também incomum. O fogo e a água; O sol e a lua; tanta gente diferente vivendo tão próxima; gente pobre e miserável; classe média e, ainda assim, miserável; comerciantes e dançarinos; pintores e músicos. A Jorge Eugênio quase nunca estava calada, sempre haviam olhos para contar suas próprias percepções.
No Rio de Janeiro existia beleza; existia a correção; existiam os planos; existiam os sonhos; existia o genuíno; existia o autêntico; existia o sincero; existia a moda; protegia a fé no bem e no futuro; era berço dos senhores loucos e das senhoras perseverantes.
Rio de Janeiro criou a autenticidade, e a autenticidade será a nossa protagonista.
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A autenticidade da nova cidade
PoetryUm ensaio descontraído acerca dos pilares mais altos, dos pavimentos mais belos e da terra mais felicitada por suportar o peso da nova cidade maravilhosa. Como Victor Hugo descreve Paris, Félix descreve Rio de Janeiro.