Após tantas reviravoltas como; enfrentar o tio de Mobei-Jun, quase voltar para o mundo moderno, quebrar a perna e comer macarrão de frango feito pelo Rei do Norte. Shang podia dizer que seu relacionamento com o demônio de gelo havia melhorado. Ele não o batia mais, não precisava fazer um trabalho escravo e não dormia mais no chão — agora dividia a cama com Mobei-Jun.
Mas havia algo que o incomodava. Sempre que Mobei-Jun voltava de uma reunião com Luo Binghe, havia algo de estranho nele. A forma como ele o olhava, como agia perto dele. Lembrava a Shang um cachorrinho que circunda o dono e pede por carinho, ou uma criança pequena que vai de fininho até a mãe e pede por atenção. É claro que poderia ser só impressão sua, mas viu aquilo acontecer tantas vezes que era difícil pensar que era apenas ilusão sua.
Vê-lo assim enchia seu peito de angústia e ficava difícil controlar a vontade de acolhê-lo em seus braços. E daquela vez não era diferente. O observava se preparar para dormir, notando-o estranhamente acanhado — algo que não era da natureza do demônio.
— Meu rei, algum problema? — perguntou, farto daquela situação.
— Não, por quê? — respondeu, mas Shang não ficou muito convencido disso.
— Apenas me pareceu que algo está te incomodando — ele disse, dando de ombros. O comportamento estranho de Mobei-Jun continuou, embora ele tentasse ser mais sútil. — Meu rei — chamou sua atenção novamente. — Venha aqui, por favor — disse gentilmente, dando tapinhas no colchão, indicando para ele se sentar ao seu lado.
O Rei do Norte olhou-o por alguns segundos antes de fazer o que pediu, estranhamente obediente. Com uma coragem e amabilidade que desconhecia ter, Shang estendeu a mão em direção ao todo da cabeça de Mobei-Jun, este que segurou seu pulso com firmeza.
— O que... você está tentando fazer? — ele perguntou, e Airplane viu um misto de medo e expectativa em seus olhos azuis.
— Cafuné... normalmente isso ajuda as pessoas a se sentirem melhor — ele respondeu, sentindo o aperto em seu pulso enfraquecer, embora Mobei-Jun ainda o segurasse, talvez, como uma forma de se sentir no controle da situação.
Afagou os fios escuros, observando o demônio de gelo ir relaxando gradativamente com o carinho. Desceu a mão pela lateral do rosto claro e acariciou a bochecha gélida.
— Era isso que você queria me pedir? — Shang perguntou com uma voz tão gentil que não se reconheceu, surpreso com a própria coragem e gentileza.
Outra surpresa foi ver Mobei-Jun dar um pequeno aceno positivo com a cabeça. Nunca imaginou o demônio se sentindo carente, mas agora tudo fazia sentido. Um sorriso doce acabou escapando de seus lábios quando percebeu que o rei só queria receber a mesma atenção que Luo Binghe recebia de Shen Qingqiu.
— Bastava ter me pedido e eu faria de bom grado — disse amável e notou as bochechas alheias ganharem um tom arroxeado. O demônio abriu a boca e tornou a fechá-la sem saber como se expressar.
Shang o envolveu em seus braços e continuou a afagar os cabelos dele. Um pouco sem jeito, Mobei-Jun o abraçou de volta, sem saber como deveria agir ou falar, apenas sentindo seu coração acelerar. O Rei do Norte ergueu o rosto para olhar para o Lorde do Pico An Ding e selou seus lábios rapidamente, antes de se afastar com a mesma velocidade.
— Por que se afastou? — Shang perguntou e o viu tentar responder, mas as palavras pareciam não conseguirem sair de sua boca.
Airplane percebeu que Mobei-Jun podia ter o físico e a maturidade de um adulto, mas o sentimental era de um menino, um menino que confiou em seu tio e foi jogado no meio de bandidos humanos por este.
— Você não precisa se afastar. Não há porquê ter medo de mim — afirmou, acariciando as bochechas dele e olhando-o nos olhos.
— Eu não tenho medo de você... eu sou mais forte que você... eu apenas... eu... — Algo o impedia de falar com clareza, sempre que tentava falar de seus sentimentos as palavras ficavam presas em sua garganta, incapaz de conseguir se expressar.
— Me escute, todos têm seus momentos vulneráveis, e não há nada de errado nisso — disse com seriedade, mas sem abandonar o tom gentil. — E sim, você é capaz de amar e ser amado. E nada, nem ninguém pode dizer o contrário.
Shang sentiu seu corpo ser empurrado contra o colchão pelo demônio de gelo, e seus corpos quase colados — se não tivesse colocado a mão instintivamente contra o peito de Mobei-Jun, estabelecendo um pequeno espaço entre eles —, com o corpo do maior por cima do seu. Sabia que Mobei-Jun tinha dificuldade de expressar seus sentimentos e se permitir ser vulnerável, que ele precisava sentir que estava no controle da situação.
— Você... me ama? — ele perguntou, embora ele tivesse tentado ocultar, pôde perceber a apreensão em sua voz. Podia sentir os batimentos arrítmicos do coração dele através da mão apoiada em seu peito.
Shang fez um carinho em sua bochecha antes de sorrir e responder — já estava mais que na hora de admitir seus sentimentos.
— Sim, eu te amo, e é por isso que eu sei que você pode ser amado — afirmou, e talvez fosse impressão sua, mas sentiu o coração do demônio bater ainda mais forte. — Mesmo que tenham tentado lhe dizer o contrário.
— Você já foi embora uma vez — ele recordou, tentando não se deixar levar por seus sentimentos.
— Mais de uma vez, para ser sincero, e em todas eu não consegui abandoná-lo, e olha que não faltaram motivos — ele disse, estranhamente risonho. — Também tive várias chances de me livrar de você, mas eu sempre acabava salvando a sua vida. — ele continuou, não conseguindo conter os risos. — É, talvez, eu seja um tremendo M mesmo. Ou, só te ame demais para ficar sem você.
Mobei-Jun permaneceu calado, apenas o olhando, provavelmente não conseguiria dizer nada, mesmo que quisesse. Shang abriu os braços, se esparramando pela cama e não conseguindo conter o sorriso.
— Bom, sou seu servo. Sou seu para fazer o que quiser comigo — ele disse, mordendo o lábio inferior.
Passou as pernas em torno da cintura de Mobei-Jun e uniu seus quadris. Esperava que o demônio de gelo entendesse o que estava querendo, mas ao que parece, Mobei-Jun era um menino tanto no sentimental quanto no sexual. O Rei do Norte o abraçou e descansou a cabeça em seu peito, totalmente alheio às intenções obscenas do humano.
— Você é mais que um servo há muito tempo — ele disse, sem sair da posição em que estava.
— Então, o que eu sou? — perguntou enquanto afagava os cabelos negros, havia um quê de brincadeira em sua voz.
— Quem... eu amo e quem faz eu me sentir... amado — Mobei-Jun respondeu com um pouco de dificuldade em verbalizar seus sentimentos, fazendo o coração de Shang se encher de felicidade.