PART II: CATIVEIRO

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-Já disseram olá para nova amiga de vocês? -perguntou o homem do lábio leporino.
Ele aproximou-se de Juliana, tocou o queixo dela e sussurrou:
-Precisa de algo, benzinho? Remédios para cólicas, absorventes ou até mesmo um chocolate. Afinal, novatas merecem uma boa recepção -sorriu.
Juliana o encarou por um instante. Pensou em algo que pudesse usar como arma, mas sem levantar suspeitas. Na mesma velocidade que veio o pensamento, ele saiu pela boca:
-Um alicate. Daqueles de tirar cutículas, sabe?
Ele chegou tão perto dela que ela pôde ver a fina membrana da catarata, que começava a cobrir a íris azul do seu olho esquerdo.
-NÃO. NÃO. NÃO. NADA DE OBJETOS CORTANTES OU PERFURANTES. ISSO É A REGRA N°1 DO ZOO! ESTÁ DE CASTIGO. SEM JANTA, MOCINHA -o grito foi tão próximo do ouvido de Juliana que ela ficou surda por um instante.
Cego de raiva com a astúcia da garota, Leporino chutou uma lata de tinta cheia d'água, que encharcou Sol e Juliana.
Leporino saiu pela porta de aço e Sol disse:
- Tu é foda, guria, hahahahahaha. Toma -pegou um panfleto surrado no bolso da jeans surrada e entregou para Juliana.
Pegou o papelzinho amassado e leu em voz baixa. Numa caligrafia feia, estava escrito:
ZOOLÓGICO DE MENINAS!
Venha nos prestigiar quando quiser. Estamos abertos 24h.
ENTRADA FRANCA!
IMPERDIVEL!
CASA PRÓX. AO LAGO.
RUA 8, CIDADE DOS ANJOS - SANTA TEREZINA, SÃO PAULO.
Virou o papelzinho e atrás estava escrito:
Regras:
N°1: É EXPRESSAMENTE PROIBIDO OBEJTOS CORTANTES OU PERFURANES;
N°2: JAMAIS ALIMENTE AS MENINAS;
N°3: SEMPRE RESPEITE O CUIDADOR DELAS;
N°4: A ENTRADA DE QUALQUER APARELHO ELETRÔNICO É PROIBIDA.
-Posso ficar com isso? -perguntou Juliana.
-Claro. Não serve para nada mesmo.
Claro que serviria. De amanhã não passava.
2
Em São Paulo, Juliana já havia virado notícia nos jornais. Todas emissoras de televisão, noticiaram que uma jovem havia sumido depois de uma festa com amigos da escola.
A família espalhou cartazes com sua foto pelas principais ruas de São Paulo. Seu pai, um delegado influente do centro, contratou o melhor detetive de São Paulo.
Depois de 28 dias, a mãe de Juliana já ingeria 4 comprimidos de antidepressivos por dia. Sua depressão estava numa situação tão crítica, que ela havia tentado se suicidar três vezes nesse período.
Acharam um corpo de uma jovem em um milharal na cidade de Piedade, São Paulo, mas não era de Juliana.
Erick enforcou-se no dia 23 de agosto de 2013, após ser apontado como principal suspeito do sumiço de Juliana. Poucas pessoas comparecem ao velório.
Trinta e cinco dias depois, a mãe de Juliana foi internada por anemia e anorexia.
Cerca de quarenta dias depois, nenhum jornal nem emissoras de televisão se lembravam do caso Juliana. Nessa altura do campeonato, o detetive havia engavetado o caso.
3
Nas contas dela, ela já estava naquele quarto úmido e fedido havia dois meses ou mais.
-Acorda -rosnou o homem com o lábio rasgado. Juliana, que sonhava com o pai, acordou.
-Ah, você de novo.
- Sim, meu anjo. Hora da janta, já. Hoje temos ovo cozido -deu um sorriso que parecia que ia rasgar ainda mais seu lábio rasgado.
-Obrigada.
Quando ele distribuiu o último prato para Suellen, ela o chamou:
-Cuidador, vem cá.
Andou mancando até ela com uma expressão de dúvida.
-Pois não?
- Eu estive pensando com os meus botões que aqui nós temos a sua proteção contra o mundo externo. E somos suas protegidas. Você consegue ser melhor que muitos pais por aí. Você jamais deixaria seu filho ir numa festa com drogas ou se prostituir, por exemplo.
-Sim. Sou um escolhido de Deus, todo poderoso.
-Amém. Então, estive pensando. E queria te presentear...
- Me presentear?
-Oh, sim. Você é melhor que meu pai. Ninguém nunca se importou tanto comigo. Uma japonesa. Uma japonesa para sua coleção. O que você acha?
-Mas como?
-Simples. Muito simples, na verdade - começou a gaguejar.
- Olha, você só tem que me emprestar seu celular que eu ligo para minha amiga vir até aqui. Você apaga ela... e ela será sua!
-NÃO! VOCÊ VAI CHAMAR A POLÍCIA, SUA PUTINHA! NÃO E NÃO.
Saiu pela porta de aço.
-Mano, esquece isso. Não dá pra enganar ele -Sol falava baixo por estar sofrendo uma intoxicação alimentar grave.
-Sol, e se eu realmente trazer ela?
- Cala a boca, velho. Pra que roubar a liberdade da menina?
Leporino não trouxe o jantar aquele dia.
4
Com o passar dos dias, Juliana começou a perceber que Leporino não enxergava muito bem com o olho esquerdo por causa da catarata; que ele começou a mancar; começou a feder merda e havia emagrecido muito nos últimos dias. Também percebeu que os animais da fazenda não faziam mais barulho e que as comidas eram cada vez mais escassas. Se houver alguma mendiga gótica no mundo, não seria tão bizarra quanto Juliana: suja, fedendo a peixe e sovaco, e vestindo uma fantasia há quase 3 meses.

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