Joana tomou um gole de seu café frio observando os carros que passavam na avenida. Sentada nos degraus da escada, olhou para o céu rosa-amarelado que denunciava o fim do dia; Na maioria das tardes, ela fazia isso: sentava-se e apreciava o dia se transformando em noite, antes de ir para casa, e sentia certo desconforto em seu interior. Tirando os olhos do céu, que era para além de sua compreensão existencial, para os olhos das pessoas que passavam todas com pressa para chegar a suas casas e ter o mínimo de paz. Parou os olhos de um par de namorados que se beijavam do outro lado da rua. Parecia realmente que um gostava do outro ou, pelo menos, era o início de alguma coisa que começou bem, não saberia como terminar (na realidade, ela sabia e muito bem como as coisas mal começavam), mas terminaria. Joana então visualizou a si própria, no mesmo lugar que a dita pessoa, pedindo disfarçadamente ajuda sobre relacionamentos a pessoas estranhas, porque ela mesma não tinha ideia como isso aconteceu, nunca tinha se apaixonado até então e durante toda a vida, foi criada por uma mulher trinta anos mais velha que nunca tinha namorado. No que lhe resta de lembrança, o até agora primeiro e único relacionamento que ela teve foi desastroso. Vendo aquelas pessoas trocando carícias públicas, se sentiu ofendida e ao mesmo tempo agraciada. Ofendida porque achava injusta a maioria dessas pessoas terem outras pessoas para se relacionar, tanto afetivamente quanto fisicamente, e agraciada porque no fim, ela era feliz sozinha em seu próprio mundo e sabia que era assim que seria. Permitiu que a sua lembrança a levasse para outros lugares que ela já havia visitado inúmeras vezes. Com seus desgastados sapatos pretos, pisou no solo fértil da sua memória e recuperou a lembrança, já confundida com suas próprias conclusões, sobre o garoto. O garoto foi alguém pelo qual Joana se apaixonou perdidamente, como qualquer um de nós durante a vida. Ele era alto, não muito bonito, mas completamente inteligente, foi isso que ela primeiro sentiu: sua inteligência que resplandecia como o sol refletindo no bronze. Tudo que ela podia ver era sua sagacidade em responder e citar autores ainda não vistos; às vezes, era tão forte, que ela se sentia a pessoa mais burra do mundo. Depois de muitas investidas e forças externas, eles ficaram juntos. Joana o seguia, lia os seus livros, assistia aos seus filmes, jogava seus jogos, ouvia as suas músicas... Tudo para ter ele dentro de si, aplacando a sede de tê-lo para si. Ela ligava, mandava mensagens, projetava mentalmente como e quando podiam se encontrar; e à noite, antes de dormir, logo quando sua mãe pegava no sono profundamente ao seu lado, Joana imaginava cenas e momentos que poderiam compartilhar. Igualmente aos romances que ela amava ler (mas como ele achava esse tipo de literatura insuficiente e caótica, tinha parado de ler), rindo sozinha ela dormia na ânsia de amanhecer para vê-lo novamente. Foi assim por algum tempo. O tempo que não foi grande, mas o suficiente para destruí-la profundamente, e o suficiente para perceber sua tendência humana a ser descartável. Altos e baixos como um barco no meio de uma tempestade na maré alta, os solavancos de ser deixada para o lado e ignorada como aqueles pombos na rua, ao mesmo tempo da felicidade de sentir o perfume que ele exalava e deixava nas roupas dela; a alegria que lhe queimava o rosto quando ele lhe tocava a mão, para logo depois soltá-la; a ansiedade de esperar, esperar no restaurante e no cinema, para que no fim, tivesse que assistir sozinha à sessão; a tremedeira nas pernas em pensar que ele se curvaria para lhe abraçar em público; tudo isso ou qualquer coisa para ela servia, o simples fato de sentir-se fazia ela tão feliz. 'Que tola' Joana pensou. No que para ela foi um fim, que na realidade nem tinha começado, iniciou-se no fim de uma tarde após lágrimas derramadas no meio de muitas pessoas que não perceberam nada. Como de nada, ele mandou uma mensagem prometendo nunca mais vê-la, que ela nunca mais o veria. "Que seja eterno enquanto dure" no ápice de tudo, Joana olhou fixamente para o canto da parede, esperando processar ou pelo menos perceber o que tinha acontecido. Ela não chorou: chorar não ela não chorava porque ele mesmo havia a repreendido por ser tão dramática, apenas ficou mensurando a sessão morna de perder alguma imperdível. Sem entender, ela foi dormir e não sonhou aquela noite, nem mesmo lembrou-se de livros ou histórias. No outro dia e nos outros que se seguiram ela não o viu, percebendo agora, nunca mais ela o viu sequer ouviu falar dele. Então foi aí que ela percebeu que eram assim os relacionamentos: essa pré-disposição para procurar o que interessa e depois descartá-los como se nada fosse completamente inteiro ou ninguém fosse totalmente merecedor de um relacionamento. Que na realidade, é sempre assim: procuramos e nos interessam, ou sofremos uma pressão externa, para encontrar alguém. Moldamo-nos, tanto externamente quanto internamente, para conseguir ser aceito por um par, quando tememos não ser aceito por nada nem ninguém. No fim das contas, tirando os nove fora, era só isso: um frio e calculado gesto, que era preciso, nos colocando presos a uma determinante que está para além do tangível. O amor seria isso? Apenas um gesto empedernido entre duas pessoas que tentam simetrizar-se com o esperado social? Ou seria uma precisão desnecessária internalizada nos seres humanos? Era tudo? Esses pequenos casos ao acaso até que ficasse cada vez mais velha e depois morresse. Ela não sabia. Talvez por isso fosse mágico e fosse necessário desse jeito, porque de outro, seria ominoso. Compreender o relativo sobre as pessoas e seus relacionamentos seria estafante, jamais teria retorno e tudo que fazemos nesse mundo é atrás de um retorno, seja ele qual for. Aliás, os relacionamentos também estão nesse retorno, como o garoto em questão não teve (ou quem sabe, teve mais do que esperava) ele a desprezou e voltou à jogada de procurar outros mesmo que inconscientemente. Ela se chamava Joana Angélica, lembrou a si mesma, nesse momento que percebeu seu nome e seu corpo, Joana se sentiu mais sábia ao concluir que seria sempre assim e, por isso, por ter sofrido e sobrevivido, era consequentemente mais forte e mais circunspecta, deixando-a em vantagem em relação às aspirações amantéticas da juventude. Sentindo o poder que lhe foi provido, encheu seus pulmões de ar de uma forma teatral, revelando sua superioridade no que toca a complexidade que era o amor, Joana levantou-se e cerrou a visão naquelas pessoas e riu de leve. Já sabia como seria, ponderou se deveria se dirigir a eles e evitar um dano maior. Não... Ela chegou à conclusão que seria melhor eles mesmos descobrirem por si. Tomarem a dor, sentirem, tocarem e aprender com ela para não mais claudicar, seria até melhor não seria? Indo ao encontro da para de ônibus, Joana depreendeu que ainda amava o garoto. Que ele tinha sido e era tudo, desde o fim até o começo, do agridoce ao completamente amargo. Que ele havia sido e era tudo e nada; nada como ela, ele era pariforme a ela: eles não eram nada e juntos poderiam ser nada regulares e talvez isso, ela pensou, o motivo pelo qual ela a odiava: porque ele era tão comum assim como ela que chegava a assustar. Joana deu um sorriso, subindo para o ônibus em pleno horário de pico, ela fez uma lista mental de coisas a fazer e lembrou que precisava fazer a janta para ela e sua mãe. "Tem couve na geladeira, assim como espinafre, tem as sobras de frango de ontem... Dá para fazer uma sopa... Sopa... Sopa é boa... É quente... Mamãe irá gostar... E, além disso, ela precisa se alimentar e ficar forte."