PERSÉFONE

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Nota: O texto não foi revisado. Perdoem acaso tiver algum erro. Imagem: "O Rapto de Proserpina" de Niccolò dell'Abbate.


A realidade era que ele ainda gostava dela. E muito. Ali pisando duro na rua coberta de folhas a caminho do restaurante universitário, andando próximos por causa dos amigos, ele realizou isso e foi como um soco no estomago. Passara os últimos meses esquecendo e evitando pensar na pessoa á sua frente e quando a vira pela primeira vez em certo tempo, tudo desmoronou, porque ele ainda gostava dela. E ela também não ajudava: caminhando como um anjo em seus shorts de cós altos, como se voltasse aos anos 80 e também seus cachos castanhos que pareciam acariciar seu rosto naquele novo corte de cabelo. Tudo aquilo era brutal para ele.

Atravessando a rua com seu amigo ao seu encalço e a namorada dele ao lado da menina, vagueou mentalmente nos contras em chegar nela e chamá-la para sair. Daria certo até, pois o cine São Luiz (o clássico cineteatro no centro da cidade) estava servindo sessões para o dia dos namorados e a semana inteira seria assim. Poderiam ser como os casais apaixonados que lotavam os lugares de mãos dadas. Chegando ao restaurante, eles se evitavam: ele alto e forte não lhe dirigia o olhar; e ela baixa e magra, restringia-se a se dirigir para ninguém além de sua amiga. E assim se procedeu até sentarem nas mesas brancas e longas rodeados pelos barulhos das outras pessoas que o cercavam; comendo, rindo, agitando como um bando de jovens amontoados e famintos. E mesmo deliciando o almoço de uma quarta-feira nublada, nenhum dos dois trocou nenhuma palavra. Foi então quando, antes de se levantarem, seus olhares se encontraram e iniciando um momento estranho. Estranho com uma energia invisível, porém poderosa que atravessou os dois. Ele sentiu e soube que ela sentiu também aquele choque cheio de energia triste.

O resto da semana ele decidiu não ir para a universidade dando a desculpa de uma gripe. Perdeu algumas aulas. Perdeu algumas esperanças também, que só ia perceber isso após alguns anos. Não queria vê-la. Não queria senti-la. Ela era demais e por isso sentia medo. No entanto, nesses dias, sua mente vagava sobre aquela garota. E mesmo com todo seu racional dizendo sobre os perigos do desejo, ele continuava com o pensamento pairando naquela figura feminina. "Eles já tinham tentado antes." disse a si na frente do espelho na luz parca amarelado do banheiro, quando todos dormiam, no meio da noite sem luar. "Eles não iam dar certo" foi o que ele mesmo disse a ela no findar do semestre passado. Lembrou como ela o mirou: com raiva, com mágoa, com tristeza. Seria ele o vilão então?

Na noite anterior a segunda-feira de voltar à aula, ele quase não dormiu por antecipação. Queria vê-la; queria dizer tudo e dessa vez fazer dar certo. Como um casal normal de amantes em um relacionamento saudável. Eles poderiam ficar juntos, ir ao cinema, andar de mãos dadas, se tocarem, presentear-se, amar-se. Ela não era má pessoa só estava confusa na época, assim como ele estava. E do mesmo modo que ele, ela mudou. Por isso daria certo.

Os dias que se seguiram foram normais, desse modo, dolorosos. Não a viu por dias. Frustrado e cansado, sentou-se nos bancos em meio ao centro de humanidades, tirou um cigarro e o ascendeu. Não costumava fazer aquilo. Porém, sempre achou charmoso um ato daqueles. E naquele dia era especial, pois tudo estava em tons de cinza assim como ele. Apagando o cigarro, ele rumou para a última aula. No meio do caminho, encontrou a namorada de seu amigo e antes de perguntar ela falou para ele, como se lesse a mente dele ou coisa assim.

"Ela foi embora."

Foram as três mais miseráveis palavrinhas que o deixaram devastado. Quis perguntar o por que; para onde ela tinha ido; o que tinha acontecido; por que o tinha deixado; mas não o fez. Apenas balançou a cabeça e engoliu em seco. Seguiu a vida e os dias se somariam e ele a esqueceria; como se esqueceu daquele dia no parque ou sobre aquele outro dia que caiu na quinta série. Tudo passaria afinal. Depois da aula ele rumou para casa. Era o fim de tarde e já estava escurecendo. O metro estava lotado e esse fato o sufocou. As pessoas se amontavam cansadas do dia e querendo ir para casa, ver alguém, assistir algo ou somente descansar. E ele, procurando respirar, olhou para a janela e, somente ali, ele percebeu que nunca veria aquela menina novamente. E que no fim de tudo ela seria apenas uma memória boa, mas turbulenta como tempestade, que ele teria para confortar a si mesmo ao resto da vida.

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