Todos os dias terminavam da mesma maneira: as duas irmãs caminhavam mata adentro com o cesto nos braços, às vezes traziam alimentos, outras, roupas lavadas na água corrente do rio. No meio de árvores velhas e estrondosas que pareciam as seguirem, elas trilharam no mesmo caminho desde que se entendiam por gente, não tinham medo, pelo menos não demonstravam ter. Elas apenas caminhavam lentamente e graciosamente por aquela trilha de areia branca, sentindo seus pés desnudos nela, afundando a cada pisada. Sua avó sempre dizia que o toque com a terra faria elas perceberem as coisas. Talvez fosse verdade. Nunca entenderam o porquê desses enigmas da avó, que por sinal era muito peculiar; mas para aquelas garotas, as pessoas sempre eram estranhas e distantes. Elas também eram, no entanto, não ligavam para suas manias.
O vento dançava com as árvores e o céu já estava escuro, mas não o suficiente, já que a lua cheia servia como iluminação dando um tom prata à areia. Calmas, não se abalavam com os sussurros vindo da mata, apenas seguiam seu caminho cantarolando baixinho.
No meio da estrada, esbarraram com dois homens que voltavam da roça. Ao passarem por elas, duas pequenas figuras no meio do mato, exclamaram:
"Ei moças, toma cuidado mata a dentro, cês sabem que essa é a quarta lua toda. Tem aquele bicho que só ataca com a lua. Pelo amor de nosso sinhô."
A mais velha, que atendia por Diana, virou-se e fitou aquele homem velho com chapéu surrado e uma tarrafa nas costas. Todos naquele lugar tinham esse aspecto cansado e simples, vivendo suas vidas sem preocupação maior que não a suas próprias vidas ali, suas roças, plantações, animais e crenças. A vida ali não era fácil, assim como em lugar nenhum, mas todos e principalmente essas duas irmãs estavam contentes por sua existência, estavam conscientes da vida que estava por vir. Então ela somente acenou com a cabeça e segurou a mão da mais nova, indo mais rápido.
Elas sabiam das histórias sobre um cachorro grande cinza que corria por aí, nas noites assustando os outros e destruindo o que via pela frente, mas não tinham medo dele, muito menos dos outros segredos que as noites guardam, por isso, continuaram até chegar em uma casa de barro, velhinha mas bem aconchegante.
Ali moravam desde que a mãe morreu, a mulher se foi jovem, tinha um aspecto saudável, mas nunca se soube de quê. A casa que habitavam era longe do povoado e mais próximo do rio. Todos daquele povoado achavam aquela família assustadora. Primeiro porque só nascia menina, foi assim com elas, antes com a mãe, bem antes com a avó e sabiam que se engravidasse, viria uma menina. Segundo, porque moravam mais longe das outras casas e pouco apareciam, as meninas, nunca se enturmavam e pareciam não fazer questão disso. Todos ali falavam sobre isso e essas histórias continuavam desde antes delas nascerem, e com certeza, continuaria depois que morressem.
"Pois bem", suspira a mais velha entrando na casa. "Vovó?" a mais nova chama, sem resposta. Ela chama pela vovó mais uma vez, mas novamente o chamado não obteve resposta. Elas se entreolharam e olharam a pela janela, ela não deveria estar longe; com o tempo, aquela senhora que outrora fora forte e rígida, tinha ficado cada vez mais frágil, principalmente com o tempo. A velha mulher levava a tranquilidade de alguém que já viveu o suficiente e parecia não ter mais medo, mas ela tinha que esperar mais um pouco e terminar de cuidar daquelas meninas, que já poderiam tomar rumo em suas vidas.
Porém que rumo? Se todas da família deveriam ficar ali, na terra onde nasceram e cresceram; só lá poderiam viver e serem elas mesmas. E o que elas eram, ninguém entendia, pelo menos não ainda.
Nesta noite, a avó delas não voltou para casa. Nem nas outras que se seguiram. Ambas entenderam o que aconteceu e continuaram a fazer as atividades que sempre fizeram: cuidaram da casa, dos bichos e da terra, mas sem esperança de ver a figura mais velha novamente. Os dias se tornaram meses, assim como os meses se tornaram anos e quando a primogênita tomou seus dezessete anos, alguma coisa mudou.
Uma noite dessas, a mais nova estava observando o vento batendo nas folhas, naquele momento em tons cinzas por causa da lua, sentada no batente da porta. As coisas tinham mudado, tinha noites que ela ficava sozinha naquela imensidão escura. Em algum tempo ela estaria com sua irmã, só precisava ficar mais velha. Então poderia ficar juntas novamente, como antes. Ela deu um sorrisinho e levantou-se para ir dormir, mas antes disso, ouviu um uivo de longe, cruzando o mato encoberto pela noite. Iria dormir mais calma, pois sabia que sua irmã estava bem.