Capítulo Um

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— Então está decidido.

Procurei respirar devagar para me acalmar e diminuir os tremores do meu corpo. Não sabia dizer se era de medo ou de raiva. Senti uma mão em meu ombro:

— Sinto muito, querido. — minha mãe disse. Reprimi um bufar. É claro que sentia.

— Foi uma votação justa — A voz grave do meu pai apareceu do meu lado.

Me limitei a encarar o chão enquanto a multidão se retirava da igreja. Ainda não achava que era o local mais adequado para um tribunal que decidia quem seria a próxima oferenda ao nosso monstro particular, mas o restante da comunidade não parecia se incomodar.

Me levantei em silêncio, indo em direção à saída, quando senti algo puxar meus dedos e me voltei para olhar. Era Leo. Um garotinho de quatro anos. Um dos poucos naquela cidade que era gentil comigo.

— Que pena que votaram para ser você, Cat — ele disse com uma voz chorosa.

Eu sorri, mas não confiei em minha voz para dizer qualquer coisa. Procurei algo que pudesse falar para melhorar seu humor, mas meu pai nos interrompeu:

— Já falei, Leonardo. Deixe de besteira, o nome dele é Caio.

Trinquei os dentes e respirei fundo. Não queria discutir. Não adiantava. Nunca adiantava. O garoto, contudo, não tinha percebido isso ainda, visto que fechou os punhos e bateu o pé no chão com força.

— Ela não gosta...

Ele não tem que gostar ou deixar de gostar de nada. Ele nasceu assim e deve seguir a vontade de Deus — meu pai o cortou em tom grave.

— Você é muito jovem para entender, meu bem — minha mãe acrescentou em tom exageradamente doce.

Condescendente. Sempre condescendente. Reprimi a vontade de revirar os olhos e me foquei no rapazinho na minha frente, ainda com o cenho franzido, visivelmente incomodado com a situação. Me ajoelhei em frente a ele.

— Vai ficar tudo bem, Leo. — Coloquei as mãos em seus ombros — Acredita em mim? — perguntei olhando bem em seus olhos azuis. Ele apenas assentiu fungando — Então vai me dar um abraço? — Ignorei a cara feia que a mãe de Leo fez logo atrás. Logo meu pescoço foi agarrado por dois bracinhos. Lhe fiz um carinho nos cabelos castanhos.

— Não quero que você vá, Cat — ele disse baixinho em meu ouvido.

— Eu sei. — Tentei confortá-lo — Eu vou voltar, tá bem?

— Promete? — Ele perguntou com expectativa, me olhando atentamente.

Engoli em seco. Não queria mesmo mentir daquela forma. Ninguém voltava. Nunca. Mas não queria vê-lo triste. Não por minha causa. Não merecia a tristeza de ninguém.

— Prometo — Minha voz era apenas um sussurro.

Leo sorriu largamente, apertou meu pescoço com os braços pequenos mais uma vez e saiu saltitante para a porta da igreja. Me levantei para encontrar o semblante carrancudo de meu pai e o olhar vago de minha mãe. Respirei fundo.

— Vamos para casa — meu pai ordenou simplesmente.

— Eu já vou...

— Vamos agora, Caio.

— Eu ainda... tenho que... — Eu não sabia o que dizer. O que precisava fazer? Visitar alguém? Não tinha ninguém para visitar. Ninguém para me despedir que fosse sentir minha falta de verdade. Ninguém. Ninguém lamentaria.

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