Capítulo único

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 Peter Parker levou 18 anos de sua vida para entender a tatuagem em seu braço.

Tecnicamente ele sabia que aquele era o símbolo da sua alma gêmea. Mais precisamente, as primeiras palavras que a escolhida (ou escolhido) diria para ele — se esse dia enfim chegasse. Eram as regras. Assim que uma pessoa completava doze anos de idade, a tatuagem aparecia. Geralmente eram coisas normais e mundanas como "olá" ou "hey". Algumas eram... inusitadas, como a de um antigo colega de escola dele que tinha "libertem as orcas, porra!" tatuado na pele (ele conheceu sua alma gêmea em um protesto contra o SeaWorld). Mas a de Peter, bem, era simplesmente muito embaraçosa. Porque, apesar de todo esse lance de alma gêmea ser melodramático por natureza, ninguém esperava ter algo literalmente romântico tatuado como símbolo.

Bom, bingo. Peter foi o sortudo. Como sempre.

De qualquer forma, aquelas palavras melosas o fizeram receber mais bullying do que o normal no colégio. Então ele aprendeu a manter sua tatuagem escondida do mundo. Usar mangas compridas não era tão ruim assim. E, com o nascimento do Homem-Aranha e do spandex, as coisas ficaram mais fáceis.

Ele nem tinha parado para refletir muito sobre aquela frase. É claro que ele olhava para ela vez ou outra e se questionava. Mas todo mundo fazia isso, certo? Parte dele achava estranho viver em um mundo no qual alguém nasceu predestinado a ser o amor da sua vida; outra parte encontrava certo conforto nessa ideia. Por muito tempo ele imaginou que devia ser algo bom, ter uma alma gêmea, assim ninguém acabaria fatalmente sozinho pelo resto da vida. Com o passar do tempo, no entanto, algumas coisas ficaram claras em sua mente. Ter uma tatuagem não queria dizer muito. Ele conhecia pessoas que nunca descobriram quem eram seus escolhidos. Como a Dra. Darcy, a bibliotecária de seu colégio — e ela parecia ser meio deprimida. E, às vezes, encontrar sua alma gêmea não queria dizer que sua relação seria perfeita. Os pais de sua amiga, Gwen, estavam predestinados um ao outro e viviam brigando; ela dizia que eles pretendiam se divorciar. Às vezes, ser fatalmente solitário se torna a melhor opção.

Pois é, com alma gêmea ou não o mundo continuava uma grande bagunça. Por isso Peter tentava não encanar muito com isso. E conseguiu por um tempo. Por vezes ele quase esquecia daquelas marcas em sua pele. Especialmente com a mente tão ocupada com os estudos e com essa coisa de salvar nova-iorquinos por aí.

Até aquele fatídico sábado à noite, quando Peter já tinha lá seus dezoito anos e uma certa experiência como o amigo da vizinhança. Ele chegou em casa depois de uma longa noite de vigília e só queria, tipo, deitar em sua cama e morrer um pouquinho. Naquela época Peter ainda morava com sua tia e seu vizinho (carinhosamente apelidado de Babaca Mor) estava numa vibe de ouvir música no último volume quase todos os dias. O cara tinha levado um pé na bunda e tinha uma banda, combinação perigosíssima. Normalmente Peter o ignorava, sempre cansado demais para se preocupar com qualquer coisa além de suas cobertas. Naquela noite, no entanto, enquanto tentava abafar o som da melodia com o travesseiro enfiado na cara, Peter sentiu seu coração bater fora do ritmo ao escutar repentinamente as palavras tão intrinsecamente gravadas em sua mente e em sua pele. Uma música. As primeiras palavras que sua alma gêmea direcionaria para ele em algum momento futuro de sua vida eram as primeiras frases de uma música romântica dos anos 80.

Peter não se orgulhava muito em admitir que tinha escutado a música uma centena de vezes depois daquele incidente. E que tinha decorado a letra. E que, ocasionalmente, quando estava distraído, se pegava cantarolando a melodia agora tão familiar.

Ele não se considerava um grande romântico. Por mais que tivesse a tatuagem e soubesse que essa coisa de alma gêmea era bem real, não deixou de viver sua vida. Ele teve seus casos. Gwen. Mary Jane. Algumas outras desconhecidas. Er, bem, ele não chegou a ter muitas chances com desconhecidos, no masculino. Enfim, ser o Homem-Aranha complicou essa coisa de romance. E depois de um tempo pareceu idiotice sonhar com uma alma gêmea. Ou com qualquer outra alma, na verdade. Ele não tinha tempo ou condições para ser um ótimo namorado.

love songs and soulmates, babeOnde histórias criam vida. Descubra agora