A lua ainda salpicava junto a algumas estrelas o céu limpo e sem nuvens do inverno de Vera Cruz. Para a sorte dos dois infelizes, não havia uma viva alma diante de suas vistas, com exceção de um mendigo que de tão bêbado mal se equilibrava sobre as pernas. Por vezes, Francisco Romão desejava ser um completo ignorante, ter nascido esperto e curioso o metia em tanta desorganização que — como naquele exato momento — queria não ser enxerido e metido a conhecedor de tantas ciências mundanas desse mundo desajustado.
Praticamente arrastado pelo braço por Tuninha, Romão chegou até o casarão conhecido por muitos como o Castelo Cruz do Alto. Apesar de toda elegância, o casarão tinha um odor de velharia que era possível ser sentido ainda no jardim. Internamente não era muito diferente; havia móveis de madeira vermelha, todos muito bem ornamentados e com emblemas da casa Barbosa. Tuninha seguia para as áreas internas de Cruz do Alto puxando Romão pela manga das vestes esfarrapadas.
— Simbora, menino Romão. A princesinha te ordenou — falava a menina enquanto arrastava o garoto escadaria acima.
O segundo andar era tão quieto quanto o primeiro, sendo a única quebra de silêncio a tosse escarrada do que haveria de ser o rei moribundo que repousava sobre o leito do quarto imperial. Sentada ao seu lado, com o torso praticamente jogado sobre o peito do pai, estava princesa Verinha com seu lindo vestido azul em um corpo muito bem desenhado por um corselete que deixavam seus seios avantajados em um enorme decote que não passou despercebido pelo olhar de menino Romão.
— Graças ao bom Senhor Jesus Cristo! Chiquinho! — exclama Verinha, erguendo-se rapidamente de sobre o pai doente para apressar-se em direção a Francisco Romão.
A mulher agarra o menino quase homem em um abraço a qual ele se aproveitou de forma a encostar o rosto sobre os seios fartos da princesa que, apesar de ter um corpo bem apessoado, não tinha o rosto tão belo quanto a cabocla Tuninha que havia o arrastado até ali.
— Oh... meu amigo Chiquinho — disse a princesa enquanto ainda o prendia em seu corpo —, meu pai tá adoentado e precisa de tua ajuda. Já chamei doutor, já chamei curandeiro e moça da feitiçaria, nada cura, nada tira a masela de seu peito. Só me resta a tu, Chico.
"A profecia que tu conhece... Chiquinho, é nesse nascer de sol, eu contei... aguardo todos os dias até hoje na esperança que meu pai conseguisse suportar... meu amigo Chico, preciso de tua ajuda pois só tu sabes como deves ser feito, só tu sabes chamar a profecia pra cá de nossa humilde terra. Primo Antônio já tá ciente da doença do pai, chegou carta avisando que vem pras nossas terras tomar posse, chega hoje pra logo e diz que caso haja morte não vai suceder uma dama no poder. Ele quer o trono, quer nossas terras e nossa miséria de valor... ajuda tua princesa, Romão, ajuda teu reino e teu povo."
Enquanto a princesa Verinha falava, mais apertado Chico Romão ficava por entre os seios da mulher. O garoto manteve-se quieto até o segundo momento em que a princesa o soltou e o fez se afastar para olhá-lo.
— Quem sabia da magia era minha mãe, princesa moça. Num tenho o poder que vossa alteza deseja. Mainha tá morta e enterrada em uns três palmos de terra, a magia morreu com ela e...
— Chico Romão, sei que tu sabes de algo. Há boatos pelo reino. Tu entende da profecia de minha família, precisa ajudar, Chiquinho... ajude tua princesa, ajude teu povo. Chame Primavera, chame ela pra curar meu pai, pra fazer renasce-lo igual as flores que tem no nosso campo — disse Verinha, o interrompendo.
"Tu entende da profecia de minha família"
A profecia das Veras. Uma história que a mãe de Romão sempre o contava e ele acreditava ser boba, ou mais uma daquelas histórias que servia unicamente para justificar uma dinastia no poder. Conta a lenda que:
VOCÊ ESTÁ LENDO
Terra de Vera Cruz
Short Story🏆 2º lugar no concurso "Estações" do perfil oficial @WattpadContosLP 🏆 Há cada 138 anos, a estrela de fogo que toma conta do céu de todo nosso mundo faz a magia acontecer, traz o florescer e a Primavera em forma de gente para viver por um dia entr...